segunda-feira, dezembro 12, 2011

Paulo Henriques Britto -Rio de Janeiro


Retirado de Antonio Miranda

Paulo Henriques Britto nasceu no Rio de Janeiro, em 1951. Linguista, mestrado em Língua Portuguesa. Professor e tradutor. É uma das expressões poéticas mais expressivas e reconhecidas no início do século 21.

“A necessidade de trabalhar com uma dicção simples e evitar a grandiloqüência “literária” é uma das propostas mais conscientes de meu trabalho”, confessa o poeta em entrevista à revista Azougue (4, abril 1997).

Obra poética: Liturgia da Matéria (1982), Mínima Lírica (1989), Trovar Claro (1997) e Macau (2003).

TEXTOS EM PORTUGUÊS / TEXTO EN ESPAÑOL


elogio do mal

1
A uma certa distância
todas as formas são boas.
Em cada coisa, um desvão;
em cada desvão não há nada.

À mão direita, a explicação
perfeita das coisas. À esquerda,
a certeza do inútil de tudo.
Ter duas mãos é muito pouco.

Por isso, por isso os nomes,
os nomes que embebem o mundo,
e os verbos se fazem carne,
e os adjetivos bárbaros.

2
O mundo se gasta aos poucos.
A coisa se basta a si mesma,
mas não basta ao que pensa
um mundo atulhado de coisas

que se apagam sem pudor,
que se deixam dissipar
como quem não quer nada.
Existir é muito pouco.

Por isso, por isso os nomes,
os nomes que se engastam nas coisas
e sugam o sangue de tudo
e sobrevivem ao bagaço

e negam a tudo o direito
de só durar o que é duro,
e roubam do mundo a paz
de não querer dizer nada.

3
Bendita a boca,
essa ferida funda e má.


PARA NÃO SER LIDO

Não acredite nas palavras,
nem mesmo nestas,
principalmente nestas.

Não há crime pior
que o prometido
e cometido.

Não há fala
que negue
o que cala.


memento mori

I
Nenhum sinal da solidão se vê
lá onde o amor corrói a carne a fundo.
Dentro da pele, no entanto, você
é só você contra o mundo.

Esta felicidade que abastece
seu organismo, feito um combustível,
é volátil. Tudo que sobe desce.
Tudo que dói é possível.

II
Luz frágil que brota no breu
e num rápido relance dá forma
e cor e corpo às coisas todas,

luz que se apega o pouco que pode
às aparências, acredita piamente
no sonho de substância que secretam,

luta com todas as parcas forças
contra o conforto de apagar-se enfim
por trás de duas implacáveis pálpebras.


Poemas extraídos de AZOUGUE 10 ANOS (Rio de Janeiro: Azougue, 2004), editora liderada pelo poeta Sergio Cohn.


DUAS BAGATELAS
II

Então viver é ísso,
é essa obrigação de ser feliz
a todo custo, mesmo que doa,
de amar alguma coisa, qualquer coisa,
uma causa, um corpo, o papel
em que se escreve,
a mão, a caneta até,
amar até a negação de amar,
mesmo que doa,
então viver é só
esse compromisso com a coisa,
esse contrato, esse cálculo
exato e preciso, esse vicio,
só isso.

De Liturgia da matéria (1982)


MÍNIMA POÉTICA

1
Poesia como forma de dizer
o que de outras formas é omitido—
não de calar o que se vive e vê
e sente por vergonha do sentido.
Poesia como discurso completo,
ao mesmo tempo trama de fonemas,
artesanato de éter, e projeto
sobre a coisa que transborda o poema
(se bem que dele próprio projetada).
Palavra como lâmina só gume
que pelo que recorta é recortada,
cinzel de mármore, obra e tapume:
a fala —esquiva, oblíqua, angulosa-
do que resiste á retidão da prosa.

De Mínima lírica (1989) [ metapoesia ]


(19 DE JANEIRO)

Até esta chegar às suas mãos
eu já devo ter cruzado a fronteira.
Entregue por favor aos meus irmãos
os livros da segunda prateleira,

e àquela moca —a dos "quatorze dígitos"-
o embrulho que ficou com teu amigo.
Eu lavei com cuidado o disco rígido.
Os disquettes back-up estão comigo.

Até mais. Heroísmo não é a minha.
A barra pesou. Desculpe o mau jeito.
Levei tudo que coube na viatura,

mas deixei um revólver na cozinha,
com urna bala. Destrua este soneto
imediatamente após a leitura.

De Trovar claro (1997)

quinta-feira, dezembro 08, 2011



Carlos Nejar


Aqui ficam as coisas


Aqui ficam as coisas.

Amar é a mais alta constelação.

Os sapatos sem dono
tripulando
na correnteza-espaço
em que deitamos.

As minhas mãos telhado
no teu rosto de pombas.

Os corpos
circulando
na varanda dos braços.

É a mais alta constelação.



***



Claridade


O barulho de existir:
um cão
dentro de mim.

Atravesso
como a um pátio
o barulho de existir.




***



I


Escrever a dor
sem revolver o fogo,
a envelhecida cinza.

O que pode o amor
com os dons aprisionados?

Escrever
a ferocidade das coisas.





quinta-feira, dezembro 01, 2011

o Pito Anaide Caja

Tonha, assombrou-se com a história que lhe contaram, mas , mesmo assim embrenhou-se na mata.Sentou-se ficou baforando seu cachimbo e olhando os passarinhos sobre as árvores, com pouco mais ouviu um piado forte, levantou-se, o pito caiu, e ela encantou-se, perdeu a memória , e so depois estava assentada na beira do rio rindo, nua e de pernas abertas, deu-se por sastifeita, como ela assim dizia, agora ela crerditava em assombração .Era bom e dava prazer, o cachimbo sumira, comprou outro e so ia pra mata de pito, um pito grande.

sexta-feira, outubro 28, 2011

Para pertence a Paisagem Mariana Botelho

As vezes prefiro a solidão das janelas de onde esses morros se reproduzem feito ecos de onde minha magreza ávida pende ese insuna

quarta-feira, outubro 19, 2011

o gato que ria Ana Fida Al

Fiquei nas bandeiras de São João,
esqueci a terra, o cheiro de merda,
de homens que cagam, e que imaginava, quem era aquela pessoa que cu era aquele?
Cansei, do rato que nao vejo, ,
do gato que não mia
do papel que me recebia para que eu não dissesse , mas arranhava ao menos um ponto ou um traço
esqueci do prato de agata,.
de manhãs que não corriam tão rápido,
de um carilhão de minha vó que dizia manhãs.sem soberba, e que tinha peito, seio
Não há mais tardes com safonas e um bebado que passa que canta o fiado.
Sou um automato de uma rede que nao tem cheiro de peixe, de piaba, de merda de passarinho
O cachorro ri, e não ria, mas canta um funk com seu rabo,
eles estão mas na celebram nas ruas
que tempo é este?
é de rede que diz e e não tem cheiro.
mas que sonho e esse?
de uma lingua, que estranha fala em Face em Tui, Gog
que aproxima e nega ,
acordei com a noticia,que morreu Steve, ma quem é ele?
O cachorro que não abanou o rabo?
que fez m sobretempo sem chuva , sem sol
com uma vela que nao acende nem apaga que nao existe, como a goiaba que nao se morde se joga fora e pega o além

sábado, outubro 15, 2011

MIA COUTO

 
 
Poema da despedida
 
 
 
 
Não saberei nunca
dizer adeus
 
Afinal,
só os mortos sabem morrer
 
Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser
 
Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo
 
Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos
 
Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca
 
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pergunta-me
 
 
 
Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue
 
Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos
 
Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser
se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente
 
Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Raiz de Orvalho
 
 
 
Sou agora menos eu
e os sonhos
que sonhara ter
em outros leitos despertaram
 
Quem me dera acontecer
essa morte
de que não se morre
e para um outro fruto
me tentar seiva ascendendo
porque perdi a audácia
do meu próprio destino
soltei  ânsia
do meu próprio delírio
e agora sinto
tudo o que os outros sentem
sofro do que eles não sofrem
anoiteço na sua lonjura
e vivendo na vida
que deles desertou
ofereço o mar
que em mim se abre
à viagem mil vezes adiada
 
De quando em quando
me perco
na procura a raiz do orvalho
e se de mim me desencontro
foi porque de todos os homens
se tornaram todas as coisas
como se todas elas fossem
o eco as mãos
a casa dos gestos
como se todas as coisas
me olhassem
com os olhos de todos os homens
 
Assim me debruço
na janela do poema
escolho a minha própria neblina
e permito-me ouvir
o leve respirar dos objectos
sepultados em silêncio
e eu invento o que escrevo
escrevendo para me inventar
e tudo me adormece
porque tudo desperta
a secreta voz da infância
 
Amam-me demasiado
as cosias de que me lembro
e eu entrego-me
como se me furtasse
à sonolenta carícia
desse corpo que faço nascer
dos versos
a que livremente me condeno
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nocturnamente
 
 
 
Nocturnamente te construo
para que sejas palavra do meu corpo
 
Peito que em mim respira
olhar em que me despojo
na rouquidão da tua carne
me inicio
me anuncio
e me denuncio
 
Sabes agora para o que venho
e por isso me desconheces
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Trajecto
 
 
 
Na vertigem do oceano
vagueio
sou ave que com o seu voo
se embriaga
Atravesso o reverso do céu
e num instante
eleva-se o meu coração sem peso
Como a desamparada pluma
subo ao reino da inconstância
para alojar a palavra inquieta
Na distância que percorro
eu mudo de ser
permuto de existência
surpreendo os homens
na sua secreta obscuridade
transito por quartos
de cortinados desbotados
e nas calcinadas mãos
que esculpiram o mundo
estremeço como quem desabotoa
a primeira nudez de uma mulher
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Manhã
 
 
 
Estou
e num breve instante
sinto tudo
sinto-me tudo
 
Deito-me no meu corpo
e despeço-me de mim
para me encontrar
no próximo olhar
 
Ausento-me da morte
não quero nada
eu sou tudo
respiro-me até à exaustão
 
Nada me alimenta
porque sou feito de todas as coisas
e adormeço onde tombam a luz e a poeira
 
A vida (ensinaram-me assim)
deve ser bebida
quando os lábios estiverem já mortos
 
Educadamente mortos
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Palavra que desnudo
 
 
 
Entre a asa e o voo
nos trocámos
como a doçura e o fruto
nos unimos
num mesmo corpo de cinza
nos consumimos
e por isso
quando te recordo
percorro a imperceptível
fronteira do meu corpo
e sangro
nos teus flancos doloridos
Tu és o encoberto lado
da palavra que desnudo
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Despedida
 
 
 
Aves marinhas soltaram-se dos teus dedos
quando anunciaste a despedida
e eu que habitara lugares secretos
e me embriagara com os teus gestos
recolhi as palavras vagabundas
como a tempestade que engole os barcos
porque ama os pescadores
 
Impossível separarmo-nos
agora que gravaste o teu sabor
sobre o súbito
e infinito parto do tempo
 
Por isso te toco
no grão e na erva
e na poeira da luz clara
a minha mão
reconhece a tua face de sal
 
E quando o mundo suspira
exausto
e desfila entre mercados e ruas
eu escuto sempre a voz que é tua
e que dos lábios
se desprende e se recolhe
 
Ali onde se embriagam
os corpos dos amantes
o te ventre aceitou a gota inicial
e um novo habitante
enroscou-se no segredo da tua carne
 
Nesse lugar
encostámos os nossos lábios
à funda circulação do sangue
porque me amavas
eu acreditava ser todos os homens
comandar o sentido das coisas
afogar poentes
despertar séculos à frente
e desenterrar o céu
para com ele cobrir
os teus seios de neve
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Saudades
 
 
 
Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
sói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés
 
Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas
 
Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta
 
Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ser, parecer
 
 
 
Entre o desejo de ser
e o receio de parecer
o tormento da hora cindida
 
Na desordem do sangue
a aventura de sermos nós
restitui-nos ao ser
que fazemos de conta que somos
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para ti
 
 
 
Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
 
Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que falhei
o sabor do sempre
 
Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só olhar
amando de uma só vida
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fundo do mar
 
 
 
Quero ver
o fundo do mar
esse lugar
de onde se desprendem as ondas
e se arrancam
os olhos aos corais
e onde a morte beija
o lívido rosto dos afogados
 
Quero ver
esse lugar
onde se não vê
para que
sem disfarce
a minha luz se revele
e nesse mundo
descubra a que mundo pertenço
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Morte silenciosa
 
 
 
A noite cedeu-nos o instinto
para o fundo de nós
imigrou a ave a inquietação
 
Serve-nos a vida
mas não nos chega:
somos resina
de um tronco golpeado
para a luz nos abrimos
nos lábios
dessa incurável ferida
 
Na suprema felicidade
existe uma morte silenciada
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Árvore
 
 
cego
de ser raiz
 
imóvel
de me ascender caule
 
múltiplo
de ser folha
 
aprendo
a ser árvore
enquanto
iludo a morte
na folha tombada do tempo
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sotaque da terra
 
 
 
Estas pedras
sonham ser casa
 
sei
porque falo
a língua do chão
 
nascida
na véspera de mim
minha voz
ficou cativa do mundo,
pegada nas areias do Índico
 
agora,
ouço em mim
o sotaque da terra
 
e choro
com as pedras
a demora de subirem ao sol
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Quissico
 
 
 
1. Deixei o sol
na praia de Quissico
 
De bruços
sobre o Verão
eu deixei o Sol
na extensão do tempo
 
Molhando, quase líquido,
o dia afundava
nas fundas águas do Índico
 
A terra
se via estar nua
lembrando, distante,
seu parto de carne e lua
 
2. Não o pássaro: era o céu
que voava
 
O ombro da terra
amparava o dia
 
A luz
tombava ferida
pingando
como um pulso suicida
um minhas ocultas asas
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pequeninura do morto e do vivo
 
 
 
 
O morto
abre a terra: encontra um ventre
 
O vivo
abre a terra: descobre um seio
 
 
 
* * *
 
 
 
 
 

domingo, outubro 09, 2011

QUATRO POEMAS DO POETA GONÇALO M. TAVARES

PAULOVAS

































REDUPLICADO :CASA DOS POETAS
Hoje é o dia de falarmos um pouco de Gonçalo M. Tavares, talvez o poeta sub-40 que melhor escreve em Portugal neste momento, com um estilo muito próprio e livros bastante diferentes entre si, todos funcionando como verdadeiros conceitos. Pegámos no Livro da Dança, em "1" e por fim "Investigações Novalis". Para quem quiser ler um tratamento mais científico deste génio da literatura portuguesa, pode seguir para este documento.


86.
interditar a memória.
Tornar a inteligência bela é voltar à não inteligência.
Só é belo o que não é inteligente; porque o inteligente é o não imediato: um passo atrás ou à frente, enquanto o belo é o instante, a superfície tão fina que frente igual a COSTAS, o início é o mesmo que o FIM.
interditar a memória.
a memória é ocupação do espaço.
a memória é o não imediato,
a memória é o inteligente.
O Corpo inteligente é inteligente mas não é corpo porque corpo é estar presente, agora, por completo, e o inteligente, repito o inteligente é o não-imediato, um passo atrás ou à Frente.
a dança não tem Memória.
A criatividade não tem Memória.
O Corpo começa agora no momento que acaba.
O Corpo começa no mesmo sítio que acaba.
O corpo é 1 sítio e 1 tempo e depois 1 outro sítio e 1 outro tempo que não recordam o sítio e o tempo anteriores.
CORPO AMNÉSICO.
Esqueceu porquê aqui e agora.
Aqui e agora e antes nada.
Aqui e agora e depois nada.
CORPO AMNÉSICO e sem projectos.
Cortar-lhe a cadeira dos velhos e o monte donde se vê o FUTURO dos NOVOS.
Um CORPO sem cadeira (não há cansaço porque antes não existiu) e UM CORPO sem VISÃO (o FUTURO é 1 espaço onde ainda não se chegou).
Sem visão não há nenhum lado onde se chegar, e sem cadeira não há sítio onde descansar, portanto só resta ao corpo ser todo aqui e agora e só resta ao corpo dançar.
(Corpo a quem cortaram a cadeira e os olhos).

14.
A história da dança não é, não pode ser, o Percurso dos Movimentos traçado no chão.
É, tem de ser, o Percurso dos Movimentos Traçado no ar.
Acreditar que os Pássaros são resto de COREOGRAFIAS. Imagens do corpo que ficaram atrás, suspensas.
(As nuvens ainda, tudo o que é alto, o céu.)
Os pássaros são restos de COREOGRAFIAS.



in o Livro da Dança
(Assírio & Alvim)

VISITAÇÕES, OU POEMA QUE SE DIZ MANSO PT ANA LUISA AMARAL




De mansinho ela entrou, a minha filha.

A madrugada entrava como ela, mas não
tão de mansinho. Os pés descalços,
de ruído menor que o do meu lápis
e um riso bem maior que o dos meus versos.

Sentou-se no meu colo, de mansinho.

O poema invadia como ela, mas não
tão mansamente, não com esta exigência
tão mansinha. Como um ladrão furtivo,
a minha filha roubou-me a inspiração,
versos quase chegados, quase meus.

E mansamente aqui adormeceu,
feliz pelo seu crime.

sábado, outubro 08, 2011

Os lirios...... Laura Vila.....Garanhuns-PE


Querundina assoprava e assoviava o vento,
dizia que o vento fingia ser mão e chuvialumiava os lirios

ALVAIADE.........Selmo Figiera....PB








O alavaiade pintava o vidro ou o vidro o alvaiade?
Meu pai dizia que eles anunciavam e brancamente, como bramante
das roupa de minha vó

O pão ..................... Luaude Neves ........... Campina Grande -PB


No pão doce de meu pai
as abelhas estancavam,
não eram belas nem feias
eram tricoteiras
e aliciavam o doce e o coco
pintando aos abanos as tardes na padaria

Os evangelhos Nicotas Vas Ce


Abotoou a boca e os evangelhos
queimou as tintas e junto derramou geléias marinhas sobre a papa
de tua língua , velha gamela afiada, e encerrou-se na pedra liquida das mares antanhas

A ESTA MIRA PAULOVAS








TRANSBORDASTES SIM PARA FICAR INVISÍVEL, QUANDO JÁ ERAS
AMONTOASTES O VERBO MESMO NA TIRANIA DOS TROCADILOS
ENTRE PIOLHOS DIVISASTES PARA ALÉM DOS PAR OU IMPAR FORMATOS E POETASTES
REVELASTES SIM O PODER DO VERBO NA CONJUNÇÃO DA VERDADE, POETA
E ASSIM TE ABSTRACIONASTES NUM IMPALPÁVEL SECO, MESMO NUMA MACA
DOS ESPERTOS AO CONTRÁRIO,
MAS NÃO, NÃO HÁ IRA HÁ A TRANSGRESÃO A SECO
MAS TEU SONHO E SONO REVELOU-TE, NA MAIS MANSA VONTADE DA VERDADE
AGORA ESTAS ESTA, MAR, RAM ESTALI, ES

É FOGO BENEU SOACO PI


Respondi de pronto é fogo!
mas a teia não caiu
esperta, enroscou-se no segredo teu,
abocanhado as vistas

CANTEIRO DOS TEU OLHOS ANUBA FERTRE-PB



A gia me olhou de tal jeito que amoleceu meus oio,
mas o gato esperto por ódio quis fisgar-lhe
alevantou paredes mas deslizou em unhas de fogo,
assim foi uma noite no canteiro dos teus olho.

Epístolas do Diabo






















Na tua boca cortei o sapo
e lacrei teus fatos que sangravam
derrapei e sobre gotas de tua baba
salientei-me como epistolas de diabos.

quarta-feira, agosto 17, 2011

Elegia na morte de Clodoaldo Pereira da Silva Moraes -Vinícius de morais


























A morte chegou pelo interurbano em longas espirais metálicas.
Era de madrugada. Ouvi a voz de minha mãe, viúva.
De repente não tinha pai.
No escuro de minha casa em Los Angeles procurei recompor tua lembrança
Depois de tanta ausência. Fragmentos da infância
Boiaram do mar de minhas lágrimas. Vi-me eu menino
Correndo ao teu encontro. Na ilha noturna
Tinham-se apenas acendido os lampiões a gás, e a clarineta
De Augusto geralmente procrastinava a tarde.
Era belo esperar-te, cidadão. O bondinho
Rangia nos trilhos a muitas praias de distância
Dizíamos: "E-vem meu pai!" Quando a curva
Se acendia de luzes semoventes, ah, corríamos
Corríamos ao teu encontro. A grande coisa era chegar antes
Mas ser marraio em teus braços, sentir por último
Os doces espinhos da tua barba.
Trazias de então uma expressão indizível de fidelidade e paciência
Teu rosto tinha os sulcos fundamentais da doçura
De quem se deixou ser. Teus ombros possantes
Se curvavam como ao peso da enorme poesia
Que não realizaste. O barbante cortava teus dedos
Pesados de mil embrulhos: carne, pão, utensílios
Para o cotidiano (e freqüentemente o binóculo
Que vivias comprando e com que te deixavas horas inteiras
Mirando o mar). Dize-me, meu pai
Que viste tantos anos através do teu óculo-de-alcance
Que nunca revelaste a ninguém?

(...)

Conjugação do ausente Vinícius de Morais






















(...)

Tua graça caminha pela casa
Moves-te blindada em abstrações, como um T. Trazes
A cabeça enterrada nos ombros qual escura
Rosa sem haste. És tão profundamente
Que irrelevas as coisas, mesmo do pensamento.
A cadeira é cadeira e o quadro é quadro
Porque te participam. Fora, o jardim
Modesto como tu, murcha em antúrios
A tua ausência. As folhas te outonam, a grama te
Quer. És vegetal, amiga...
Amiga! direi baixo o teu nome
Não ao rádio ou ao espelho, mas à porta
Que te emoldura, fatigada, e ao
Corredor que pára
Para te andar, adunca, inutilmente
Rápida. Vazia a casa
Raios, no entanto, desse olhar sobejo
Oblíquos cristalizam tua ausência.
Vejo-te em cada prisma, refletindo
Diagonalmente a múltipla esperança
E te amo, te venero, te idolatro
Numa perplexidade de criança.

(...)

A torta ( Paulo Vas )para Hilda De Andrade Cardoso






























Tua gata que não tiveste caminha pela casa, como irineus,
abafada pelo cheiro daquilo que cozinhavas,pensavas e ousavas;
azeitaste o bacalhau e coroastes com ovos e pimentão, afora com os teus dedos que sabiam dar,como em tua braveza que entornavas no riso, na esquina de tua boca,diante das mulheres, que nao reconhecias, como ninguém o faz, fostes adiantada na torta;
mas o dia chegou e fostes, com medo da gata que não tivestes , e com o temor
da torta que temias não ficar exposta devidamente com cheiros de maçã cortadas em gomos para adornar a ti e a vida.
Teu cheiro repercute agora sem temores, com o teu medo que nada adiantou ,da morte do M da Maçã,da morte, da mordida e da mesa e da casa que não tivestes, segredastes, isto, fazendo o café dos outros, escevestes escondindo, coando, na tampa ,mas salvastes, pelo M,pelo R,pelo, E
que ironia.
Tua gata repousa, como que catando a ti , tu não mais catas, já fizeste,
Agora ës pronta!

O menino que cresceu no jardim Gonçalo Tavares PT






















Era uma vez um jardineiro que todos os dias, ao fim da tarde, regava um menino para ele crescer.
Era nisso que o menino acreditava: se as flores crescem assim por que razão não crescerei eu, também, com a ajuda da água? E o jardineiro lá lhe fazia a vontade: regava-o, com delicadeza, como regava as suas mais belas plantas.
Devido a esta mistura com o jardim ou talvez por causa de qualquer outra razão misteriosa este menino cheirava tão bem que as abelhas não o largavam. Porém, rodeavam-no com modos pacíficos. Que simpáticas eram as abelhas! Como se fossem animais domésticos, amestrados. As minhas abelhas, dizia o menino.
E sucedia algo ainda mais estranho: as abelhas, em vez de fazerem aquele barulho desagradável que faz tremer os ouvidos, produziam, pelo contrário, uns sons suaves, melodiosos: como sons de piano. E o menino ficava tão embalado com a música suave deixada no ar pelas abelhas que adormecia três vezes por dia; o que era francamente melhor do que só adormecer uma.
As abelhas, além de se portarem como uma orquestra privada, ainda deixavam, como presente, algum mel no copo que o menino costumava trazer.
No final de semana, o menino ia vender o mel para o mercado. As abelhas, entretanto, não paravam de andar à volta dele, tocando música e depositando mel no copo, mal este se esvaziava.

Com este negócio o menino ganhou bastante dinheiro. Com o dinheiro ele pensava que conseguia crescer muito mais rápido do que o normal e que apenas em cinco anos ficaria um adulto grande. O certo é que não aconteceu isso. Mesmo com muito dinheiro o menino não cresceu mais rápido, cresceu ao ritmo de todos os outros colegas da escola. Percebeu nessa altura que o dinheiro não dava para tudo, mas só mais tarde agradeceu essa lentidão no crescimento.
O dinheiro não dava para crescer, mas a água sim.
A seu pedido, o jardineiro continuava a regá-lo todos os dias. Ele crescia ao mesmo ritmo que os outros, mas a água permitia que ele crescesse com um perfume emprestado das flores. E as abelhas continuavam a rodear-lhe a cabeça.
Durante alguns meses imaginou em adulto vir a ser um príncipe, mas depois cansou-se de imaginar os outros todos a curvarem-se à sua frente, cheios de respeito. Pensou que se viesse a ser príncipe provocaria muitas dores de costas nos seus amigos, que estariam sempre a curvar-se diante dele, e por isso quis, logo ali, antes dos dez anos, mudar de profissão. Não iria ser príncipe.
Decidiu, então, ser maestro, e transformou-se rapidamente (na sua imaginação) no maestro mais famoso do mundo. E era um maestro famoso precisamente porque não precisava de orquestra. Eram as abelhas que faziam todos os sons à volta da sua cabeça. Cada movimento das suas mãos provocava um movimento harmonioso das abelhas, e deste movimento nasciam belos sons.
A verdade é que, mais tarde, em adulto, o menino não foi príncipe nem maestro.
Escolheu uma profissão bem mais modesta: foi jardineiro. Considerava-se mesmo o jardineiro mais feliz do mundo. E tinha razões para isso. Eram muitas já as crianças que iam ao seu jardim, pedir para serem regadas de modo a cresceram saudáveis e cheirosas como ele, o jardineiro que na infância tinha sido um menino com muita imaginação. .

Oráculo”, Corsino Fortes
















(...)

Toda a palavra é útero de sete pedras

......................................E

Toda a palavra é um poema bissexto

Leva quatro anos de pudor

E quarenta & tantos de paixão

Para inundar o deserto da estiagem

(...)

quarta-feira, julho 20, 2011

O CHEIRO DE TUA .. AVANIO AVELOS PB






















A manhã é curta
e o dia dispara
para eu sentar outra vez e sentir o cheiro de tua voz

Engaieime AVANIO AVELOS PB





















Engaieime no amor
troci a língua
e fiquei sem fala.
jurei a santa,
mai a dor piorou,
engaiei-me de veis e amarelei-me no relento da sordade,
as asas do meu sonho quebrouse de veis

Leslie Kaplan APUD MODO DE USAR

Leslie Kaplan nasceu em Nova Iorque em 1943 e é uma poeta francesa. Vive na França desde os três anos, é psicanalista e seu trabalho com a língua põe em jogo muitas vezes sua condição bilíngue, como neste poema reproduzido aqui sobre o beijo entre as duas línguas: translating is sexy, ela diz, buscando o ponto em que as duas línguas se encontram lá no fundo da boca – a poesia, talvez? Seu primeiro livro, L’Excès-l'usine, foi publicado em 1982. No Brasil, saiu o belíssimo romance O psicanalista, pela Companhia das letras, terceiro volume da série Depuis maintenant, que conta a história de Eva, personagem que consegue, lendo e pensando nos romances de Kafka, “dar um pulo para fora da fila dos assassinos” de sua própria vida. Leslie Kaplan publica pela P.O.L. Éditeur e seu último romance, Minha América começa na Polônia, constitui um relato autobiográfico que conta a história de sua família e a sua própria – os avós poloneses, imigrantes judeus nos Estados Unidos no começo do século XX, e os pais, americanos, que foram para a Europa durante a segunda guerra e se estabeleceram na França do pós-guerra. O romance conta suas idas e vindas sobre o Atlântico, coadunando na linguagem chewing-gum e ice-creams americanos com cafés e boulevards franceses.


--- Marília Garcia


§


POEMA DE LESLIE KAPLAN
em tradução de Marília Garcia


Translating is sexy

a poesia é um beijo
entre duas línguas
a french kiss
ou
um beijo americano

buscar o ponto
em que as duas línguas se encontram
lá no fundo
da boca
ou então na superfície
a ponta da língua
contra a ponta da outra língua
how do you say that in english?
I love you
that’s all
and
hold me tight
and
give it another try
baby


qual é o ponto de encontro
the meeting point
mas aí a gente pensa em carne
I can’t meet you here
dear meat

let’s play
a game
sim, vamos jogar um pouco

translating
is sexy

I know that

então

a boca the mouth
a língua the tongue

descreva a sensação
ooh ooh ooh
descreva de verdade

the tip of my tongue
dear love
will touch yours
dear love
and we will sing
dear love
together

the tip
of my tongue
will touch
yours

we won’t sing
my love
we will breath
my love in silence

we won’t sing
we will breath
in silence

we will live
and touch
slowly

does the tongue
have a skin?
the soft skin
of the tongue
will rape me
not rape
wrap
not wrap

uma língua doce
um pouco
rugosa

e não vamos falar
da saliva
essa substância mole
e doce
na boca

podemos trocá-la

ou talvez
ela troca você
como uma velha ponte mole

dilui-se dentro dela
ela faz você passar
é uma língua uma saliva uma velha ponte mole
ela leva você
ela faz você passar

but say it again
the soft skin of the tongue

some thing soft
and pointed

how is that possible

it is

say it
and do it

you do it to me
I’ll do it to you
again
and again
till silence
how is silence possible
the soft skin of silence

it is

soft silence
pointed silence

can silence be a bridge?
it can
it is

and here we are
welcome

little word
little word

diga-me uma palavra
só uma palavra

she didn’t like men with poney tails
ela não gostava de homens com rabos de
cavalo


cortes
nuances
atenção

I told you

about translating

give me
one word
just one word
that would open up
open up
explode
and multiply

sim
vamos lá
acabe comigo

a word
uma palavra

a word from you
my love
breaks me up
my love
and makes its way

my love
far inside me

sim
mas sim

she always gave him
a lot of trouble
era
uma chata

shut up
stupid
me beija
estúpido
there was this awful american
woman
who would say
she wanted to have sex

é nojento

é mesmo

but they do
they say that

those terrible
american woman

essas
mulheres
americanas
horríveis

oh
oh

Mas o céu, e essas estrias. Nada nos protege de sua beleza. Todo querer. O céu, o vinho, os livros, o amor. E o pensamento. Se não temos o pensamento, não temos nada. Nada de sua vida. Nada. Mas o pensamento, não o temos. Pensamos ele.

all the words

from all the times
from all the lives
you have lived
and will live

todas as palavras estão aí
disponíveis
elas esperam
all the words
and all the worlds
from all the lives
and all the lovers
cada palavra
está ali
não amanhã
hoje
AGORA


§


A quem quiser conhecer a voz da poeta, no vídeo abaixo ela oraliza seu poema "Les Outils":


















sábado, julho 02, 2011

O corpo ler ... Abadeu Caja.... Catolé do Rocha. PB

























Quando eu era pequeno
eu lia com as mãos,
pegava largatixa, formiga,chave velha enterrada,
folhas, pingo de chuva,as nuvens das paineiras,
os pelos dos gatos, do carneiro, as penas das galinhas
eu aprendia com todo o corpo,
hoje fecharam as mãos para o mundo e se aprende só com as letras.

MALEITA ENOBE COSSO PB

















Troci a maleita
apiorei
cai nar mão da doensa
e ela fechou os dedo.

Corsino António Fortes (São Vicente, 1933) cabo-verdiano.




















Corsino António Fortes (São Vicente, 1933) é um escritor e político cabo-verdiano.
É licenciado em Direito, pela Universidade de Lisboa (1966). Integrou vários governos na república de Cabo Verde, país de que foi Embaixador em Portugal. Presidiu à Associação dos Escritores de Cabo Verde (2003/06). Autor de obras como Pão e Fonema (1974) ou Árvore e Tambor (1986), a sua obra expressa uma nova consciência da realidade cabo-verdiana e uma nova leitura da tradição cultural daquele arquipélago.
Retirado de Antonio MIranda


De pé nu sobre o pão da manhã

Desde a manhã os pés
Estão nus ao redor da ilha,
Nus de árvore nus de tambor
Joelhos de sol E volutas de poeira
Nos tornozelos
Em movimento

Desde o início
O tambor dos dedos
Sob o pão das pedras
O cão das artérias
preso
na voragem
Dos calcanhares Que agitam
Na terra polvorenta
o ponteiro dos membros
sobre a testa do mundo

Os membros o mundo o meridiano de permeio

O sarilho dos corvos na falésia
Anuncia-nos

À boca do povoado
Ao vento gordo sabor a fiambre hálito
de pão novo

À beira-mar erguemos as nossas costelas
À promessa pública do mar E
À beira-mar navegamos
Com mãos menos mãos
Com pés menos pés
De proteínas

segunda-feira, junho 27, 2011

Lêdo Ivo AL




































RETIRADO DE ANTONIO MIRANDA

Lêdo Ivo
POESIA COMPLETA 1940-2004
Estudo introdutório Ivan Junqueira
Rio de Janeiro: Topbokks, 2004. 1099 p.
ISBN 85-7475-086-1

"Um dos poucos que ficarão". Fausto Cunha.


PRIMEIRA LIÇÃO

Na escola primária
Ivo viu a uva
e aprendeu a ler.

Ao ficar rapaz
Ivo viu a Eva
e aprendeu a amar.

E sendo homem feito
Ivo viu o mundo
seus comes e bebes.

Um dia num muro
Ivo soletrou
a lição da plebe.

E aprendeu a ver.
Ivo viu a ave?
Ivo viu o ovo?

Na nova cartilha
Ivo viu a greve
Ivo viu o povo.


NA RUA DA CARIOCA

Transeunte ocioso
parei na mercearia
da rua da Carioca
e vi a realidade:
uma simples lingüiça
exposta na vitrina.

Ó glória de ser si mesma
na inexatidão do mundo!
Somente ela era real
entre os passantes fantásticos
e os rumores estridentes
da rua da Carioca.

No balcão de imaginário
em que se tornou a vida
uma simples lingüiça
toda enchida de si mesma
impunha a sua verdade
e modéstia perecíveis.

Jamais uma lingüiça
pode mudar-se em metáfora
antes de ser engolida.
Evidência consumível,
ela era apenas o que era:
a honra do mundo visível.


LARGO DA CARIOCA

Sobe a ladeira do convento
antes que a noite caia.
Pede um marido a Santo Antônio
que a tarde já vai bem alta.

Pede um amor a Santo Antônio
antes da noite fechada.
Suplica-lhe que ele te dê
uma aliança de casada.

Diante do santo, de joelhos,
antes que a noite desça,
fala da tua precisão,
antes que o sol desapareça.

Não tenhas medo nem pejo
nem fiques ruborizada.
Ele conhece os desejos
que queimam teu corpo e alma.

O santo das precisadas
sendo um homem não ignora
que a falta do acerbo espinho
dói na rosa abandonada.

Confessa-lhe toda a verdade.
Para dormir sossegada
precisas daquilo que pedes
de rojo, lavada em lágrimas.

Precisas de algo que te aqueça.
À noite morres de frio.
Implora ao santo, com fervor,
que te conceda um cobertor.

Antes que o sol desapareça
e a noite te deixe na mão
pede depressa a Santo Antônio
a graça de um maridão.


A CREPITAÇÃO

Qualquer vida é naufrágio e perdimento.
Quando chegamos ao fim da restinga
encontramos apenas mar e vento.

Onde estão nossos sonhos? Um errante
raio de sol sumiu entre a folhagem,
dentro de nós o dia fez-se pálido.

Cercado pela luz da madrugada
e de mim rodeado, estou sozinho
entre as grutas da terra e a ira do mar.

Última luz da derradeira festa,
crepita na manhã a eternidade.
E a eternidade é tudo o que me resta.


PARIPUEIRA

Nas casas brancas de Paripueira
as janelas estão escancaradas
à claridade que sucede aos sonhos
e às errantes estrelas desejadas.

Os cajueiros cantam na manhã de sol.
Cantam com suas belas vozes amarelas.
As velas das jangadas fremem quando
a vaga suga a música da terra.

No céu redondo de Paripueira
as nuvens são os brancos arquipélagos
dos países negados aos navios.

No mar azul os currais de peixe
protegem a fome infindável dos homens.
E a terra é tão bela que aboliu a morte.

========================================================
OS MORCEGOS

Os morcegos se escondem entre as cornijas
da alfândega. Mas onde se escondem os homens,
que contudo voam a vida inteiro no escuro,
chocando-se contra as paredes brancas do amor?

A casa de nosso pai era cheia de morcegos
pendentes, como luminárias, dos velhos caibros
que sustentavam o telhado ameaçado pelas chuvas.
"Estes filhos chupam o nosso sangue", suspirava meu pai.

Que homem jogará a primeira pedra nesse mamífero
que, como ele, se nutre do sangue dos outros bichos
(meu irmão! meu irmão!) e, comunitário, exige
o suor do semelhante mesmo na escuridão?

No halo de um seio jovem como a noite
esconde-se o homem; na paina de seu travesseiro, na luz
do farol
o homem guarda as moedas douradas de seu amor.
Mas o morcego, dormindo como um pêndulo, só guarda
o dia ofendido.

Ao morrer, nosso pai nos deixou (a mim e a meus oito irmãos)
a sua casa onde à noite chovia pelas telhas quebradas.
Levantamos a hipoteca e conservamos os morcegos.
E entre os nossas paredes eles se debatem: cegos como nós.


OS POBRES NA ESTAÇÃO RODOVIÁRIA

Os pobres viajam, Na estação rodoviária
eles alteiam os pescoços como gansos para olhar
os letreiros dos ônibus. E seus olhares
são de quem teme perder alguma coisa:
a mala que guarda um rádio de pilha e um casaco
que tem a cor do frio num dia sem sonhos,
o sanduíche de mortadela no fundo da sacola,
e o sol de subúrbio e poeira além dos viadutos.
Entre o rumor dos alto-falantes e o arquejo dos ônibus
eles temem perder a própria viagem
escondida no névoa dos horários.
Os que dormitam nos bancos acordam assustados,
embora os pesadelos sejam um privilégio
dos que abastecem os ouvidos e o tédio dos psicanalistas
em consultórios assépticos como o algodão que
tapa o nariz dos mortos.
Nas filas os pobres assumem um ar grave
que une temor, impaciência e submissão.
Como os pobres são grotescos! E como os seus odores
nos incomodam mesmo à distância!
E não têm a noção das conveniências, não sabem
portar-se em público.
O dedo sujo de nicotina esfrega o olho irritado
que do sonho reteve apenas a remela.
Do seio caído e túrgido um filete de leite
escorre para a pequena boca habituada ao choro.
Na plataforma eles vão o vêm, saltam e seguram
malas e embrulhos,
fazem perguntas descabidos nos guichês, sussurram
palavras misteriosas
e contemplam os capas das revistas com o ar espantado
de quem não sabe o caminho do salão da vida.
Por que esse ir e vir? E essas roupas espalhafatosas,
esses amarelos de azeite de dendê que doem
na vista delicada
do viajante obrigado a suportar tantos cheiros incômodos,
e esses vermelhos contundentes de feira e mafuá?
Os pobres não sabem viajar nem sabem vestir-se.
Tampouco sabem morar: não têm noção do conforto
embora alguns deles possuam até televisão.
Na verdade os pobres não sabem nem morrer.
(Têm quase sempre uma morte feia e deselegante.)
E em qualquer lugar do mundo eles incomodam,
viajantes importunos que ocupam os nossos
lugares mesmo quando estamos sentados e eles viajam de pé.



O PASSRINHO MORTO

A santidade do mundo me aparece
sob a forma assustada de um esquilo
que me contempla entre arbustos.
Devo esta aparição ao deus que me criou
e me faz notar o miúdo e o insólito.
A poeira na asa da borboleta
E a chuva radiosa.
Abaixo-me e agarro o passarinho morto
que nem a neve soube guardar.
Por que o mataste, ó deus do frio
que, na noite de Nova Iorque, une a homem e mulher.
Como uma formiga, espero que o comboio passe
para atravessar
os trilhos sangrados pela ferrugem.
E, cristaleiro, amo o que o tempo fez
sem que fosse preciso ferir ou insultar:
vaga na prancha podre de um navio
ou o fulgir de um diamante.
A essa forma de perfeição, luminosa e fria,
é que aspiro às vezes quando, no banco de um parque,
vejo o passarinho morto
ou, homem, sou o esquilo que os esquilos
vêm olhar com surpresa.
Aos céus que guardam o granizo e a saraiva,
peço isenção de selo funerário.
Mas como esse deus mouco me ouviria?
Com seus olhos vazados, de que modo
me enxergaria? E as folhas caem, desbotadas, e o outono
é vento e podridão.



ASILO SANTA LEOPOLDINA

Todos os dias volto a Maceió.
Chego nos navios desaparecidos, nos trens sedentos, nos aviões cegos/
Que só aterrizam ao anoitecer.
Nos coretos das praças brancas passeiam caranguejos.
Entre as pedras das ruas escorrem rios de açúcar
Fluindo docemente dos sacos armazenados nos trapiches
e clareiam o sangue velho dos assassinados.
Assim que desembarco tomo o caminho do hospício.
Na cidade em que meus ancestrais repousam em cemitérios marinhos
só os loucos de minha infância continuam vivos e à minha espera.
Todos me reconhecem e me saúdam com grunhidos
e gestos obscenos ou espalhafatosos.
Perto, no quartel, a corneta que chia
Separa o pôr-do-sol da noite estrelada.
Os loucos langorosos dançam e cantam entre as grades.
Aleluia! Aleluia! Além da piedade
a ordem do mundo fulge como uma espada.
E o vento do mar oceano enche os meus olhos de lágrimas.

Benedito Fonteles

REDUPLICADO DE ANTONIO MIRANDA


Artista plástico, poeta e compositor, curador de exposições notáveis, Benedito Fonteles nasceu em Bragança, Estado do Pará, em 1953. Suas atividades levaram-no a diferentes regiões do país. Montou exposições em espaços como a Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museus de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro e Curitiba, Museus de Arte de São Paulo e de Brasília, destacando-se as montagens da obra de Ruben Valentin, com a publicação do livro O Artista da Luz, assim também o livro-CD Giluminoso – a poiÉtica do Ser, com a obra de Gilberto Gil, além de dirigir espetáculos e gravações de grandes artistas como Luiz Gonzaga, Tetê Espíndola, Belchior, Egberto Gismonti e tantos outros. Dezenas de exposições individuais, muitas delas de arte e ecologia, além de promover seminários e oficinas de criatividade.

Também é notável como poeta., de que damos uma breve mostra aqui, em parte retirada da antologia de Olga Savary Poesia do Grão-Pará e de O Livro do Ser.


QUASE HAI-KAIS
(década de 80/90)


A pedra que arremessas
apenas confronta a nuvem.

*

Deus cabe nas pedras
As pedras não cabem em si.

*

Vento que passa
Roça a pedra que fica.

*

Só o Real do lúdico
ilumina o Dom do lúcido.

*

Só ele escutava
a felicidade dos peixes.

*

Nenhum anseio vela
o barco da mente simples.

Aprenda do bambu
que o bambu
— É bambu!

*

Lótus e lodo
Diferenças sutis
à luz da lua.


***************

De
O LIVRO DO SER
Petrópolis: Vozes, 1995

a alegria dos peixes
sou
EU]
eu sou as carpas que dançam
na co de teus olhos
a alegria que faz nadar
os feixes de escamas
e
LUZ
e deixar o rio NU
completamente à vontade
com seu dom de correnteza
a leveza
a voz
e a vez das águas

segunda-feira, maio 23, 2011

Auguste ANGELLIER (1848-1911)





















Le faisan doré

Quand le Faisan doré courtise sa femelle,
Et fait, pour l'éblouir, la roue, il étincelle
De feux plus chatoyants qu'un oiseau de vitrail.
Dressant sa huppe d'or, hérissant son camail
Couleur d'aube et zébré de rayures d'ébène,
Gonflant suri plastron rouge ardent, il se promène,
Chaque aile soulevée, en hautaines allures ;
Son plumage s'emplit de lueurs, les marbrures
De son col vert bronzé, l'ourlet d'or de ses pennes,
L'incarnat de son dos, les splendeurs incertaines
De sa queue où des grains serrés de vermillon
Sont alternés avec des traits noirs sur un fond
De riche, somptueuse et lucide améthyste,
Tout s'allume, tout luit...

... Et, sur ces yeux muants de claires pierreries
S'unissant, se brisant en des joailleries
Que sertissent le bronze et l'acier, et l'argent,
Court encore un frisson d'or mobile et changeant,
Qui naît, s'étale, fuit, se rétrécit, tressaille,
Éclate, glisse, meurt, coule, ondule, s'écaille,
S'écarte en lacis d'or, en plaques d'or s'éploie,
Palpite, s'alanguit, se disperse, poudroie,
Et d'un insaisissable et féerique réseau
Enveloppe le corps enflammé de l'oiseau.

Sofía Castañón
























En un afán sin tregua por recuperar la inocencia verdadera, que no es nunca evasión infantil ni falta de realismo, la poesía de Sofía Castañón (Gijón, 1983) nace del desconcierto ante un mundo adulto que a la poeta le resulta incomprensible por sus continuas contradicciones y, en el fondo, por su carencia de ideales. La poesía se convierte así en el diario donde ella anota, como instantáneas fotográficas, estos desencuentros entre el yo, que aún confía honestamente en muchas promesas recibidas durante su infancia, y la realidad inmediata, que hace añicos, sin razón alguna, todas esas expectativas. Y esto ocurre tanto en el ámbito personal como en el complejo entramado de la sociedad presente. No obstante, si la poeta persiste en su escritura es porque nadie ha socavado totalmente sus expectativas fundamentales; de manera que su poesía, aun con mucho esfuerzo, sigue siendo una puerta abierta a la libertad creadora, tanto en el plano poético como en la realidad vital de cada hombre, en cuyas manos está reconstruir el mundo.

El asombro y el desconcierto de cada instante se encarnan en una expresión llena de presuposiciones, omisiones y de frases sincopadas, pues la percepción de tantas contradicciones en el mundo cotidiano apenas le da tiempo para ordenar los elementos o para reflexionar sosegadamente sobre ellos. Y, precisamente en la relativa ausencia de orden lógico y en las mismas omisiones, el lector revive, de modo natural, la complejidad de la existencia diaria.

Los tres poemas siguientes pertenecen a un próximo libro. Con anterioridad, Sofía Castañón ha publicado Animales interiores (2007), Últimas cartas a Kansas (2008) y Tiempu de render (2010), en asturiano, libros por los que ha obtenido diversos premios.
Sutura

Cómo se ha cerrado esta fisura.
Porque esto no es una pared,
un jarrón con agua congelada
o la grieta goteante de un silencio.

Cómo se han cerrado otras fisuras,
cuando los alveolos estallaban
y nos ahogábamos en aire.

Quiénes, dónde trabajan y cuánto
declaran al año de estas curas.
Nos han asaltado con sus batas blancas,
con un cinto blanco de sonrisa
y se han puesto a cerrarnos heridas
que antes no eran blancas.

Una mañana desperté con el pecho abierto
y antes del zumo ya había en él gladiolos
cerca del esternón. Una mañana el abismo
reposaba tranquilo en mi regazo.
Y a la siguiente, nada.

Fue como si descargaran un camión de plaquetas,
el cierre de una mina abierta en la que no moría nadie.

Sin denuncias, sin molestias, y aún así
esta presa para contener cerraditos los órganos.
Que no se te escape el oxígeno.
Que no albergues acantilados.
Que eso no se hace. Que el monopolio de las aperturas
lo tienen otros y saben respetar el horario.

Cómo se ha cerrado esta fisura.
Cuándo fue la inmersión, la desmemoria.

Yo tenía un campo abierto en el pecho
y ahora sólo líquido amniótico,
sosegada carencia.

Pero antes nos surcaban zanjas.
Nevaba y en las manos nos crecían granadas blancas.
Las hundíamos en los demás cuerpos.

Nos cerraron
nuestra luz insoportable.


The battle of evenmore

Levántate, y levanta el mundo
que de noche no existe —qué haces
cuando no sueñas construcciones—
levántate.
No digas ayer, no digas alcohol.
Todos reíais anoche
con la vida en la glotis.
Pon muy alta la música, que duela
lo justo el haber sido una irresponsable.
Que duela el haber sido
y hoy
sólo estar.
Levántate. No basta.


Comunidad de expertos

No debería ser importante
conocer el nombre del árbol.
No para ti, para mí, o para
este poema.
El árbol debería estar y estar siempre
convenciéndonos con sus hojas
frente al aire, permanecer
porque este tronco mira hacia arriba.
No debería ser importante
que en mi casa lo llamemos texu
ni que a su alrededor crezca fértil
la leyenda, o la memoria.
No debería decir en estas líneas
el nombre del árbol, ni siquiera
que junto a él huele espesa
la flor de la mimosa.

Poderosamente llega febrero
y la tierra aún no ha tenido que guardarte.
La fortuna de tu cuerpo sigue aquí arriba
y este árbol de momento no tiene
ningún nombre.

Jaime García-Máiquez




Entre los méritos de la poesía de Jaime García-Máiquez (Murcia, 1973), tal vez el mayor (y el que los engloba a todos) sea su capacidad para suscitar en el lector una emocionada identificación con su yo-poético, siempre complejo y singular, utilizando, sin embargo, un vocabulario y una dicción de deslumbrante sencillez: algo que ha heredado —no sabemos si directa o indirectamente— del gran maestro Antonio Machado. Pero esa sencillez, manifiesta en un estilo a menudo conversacional, que procura romper todas las barreras entre poeta y lector, no desemboca en un decir chato y utilitario, sino en todo lo contrario: en una sensación de que estamos conviviendo con un auténtico personaje de carne y hueso, con sus virtudes y manías, con sus esperanzas y sus miedos. De modo que tal sencillez es el producto de un laborioso trabajo con la lengua ordinaria, para extraerle una significación realmente extraordinaria en su honda personalidad, sin que por ello advirtamos todos los hilos de su artificio.

Su poética es la sinceridad, virtud que destaca desde el primer acercamiento a un poema suyo. Una sinceridad íntima que el poeta comparte con nosotros sin caer nunca en el impudor ni en la verborrea; antes bien, sumergiéndonos en un mundo mucho más rico que el de costumbre para elevarnos hasta el punto de mira más alto. Jaime García-Máiquez es un poeta del tiempo, como el maestro don Antonio (aunque de temperamento muy distinto): un poeta que sólo puede entender cualquier acontecimiento de su existencia enmarcándola en el transcurso de su tiempo interior. Y el tiempo de García-Máiquez, sin embargo, no es elegía por ninguna pérdida, sino sabiduría acumulada que ha ido forjando su entendimiento, su deseo y todo su modo de sentir, que también cambia con el tiempo. Lo que no cambia es su mirada esperanzada hacia un futuro, hacia una luz mayor que siempre está por llegar.

Pero no crea el lector que va a encontrarse con una sucesión de experiencias vitales puntualmente narradas, pues, si bien su vida cotidiana empapa visiblemente toda su poesía, los hechos esenciales de aquélla suelen cristalizar en imágenes simbólicas de significación trascendente, por las que su diario vivir, a la vez que construye una vida muy normal, nos deja entrever por sus rendijas los rayos de un Misterio que todo lo llena.

Hasta el momento ha publicado los poemarios: Vivir al día (2000), con el que ganó el Premio Luis Cernuda de 1999, y Otro cantar (2007), que obtuvo el Premio Arcipreste de Hita de ese año; además de un libro de su heterónimo Fernando López de Artieta, Jugar en serio (2004), acreedor del Premio Arte Joven de la Comunidad de Madrid.
La belleza es sagrario

Bajo una encina enorme en lo alto de Abantos,
rogué por ver el rostro de Dios, sólo
un instante de luz,
misterio, miedo y fuego, como un rayo.

Más allá del paisaje no vi nada
como podéis imaginaros todos,
pero de pronto un pájaro
se posó entre las ramas y cantó sobre el árbol.


La canción de las lluvias

A. Necati Cumali


La lluvia de enero
sirvió como abono,
y la de febrero
cimentó los lodos.

La lluvia de marzo
se enraizó más hondo.
La de abril produjo
frutos luminosos.

La de mayo vino
como agua de agosto…
La lluvia de junio
se lo llevó todo.


Pan duro

La madre de mi madre se tomaba
el pan del día anterior o el de hacía dos días
para desayunar, con su café manchado.
Era como un gorrión. Emocionaba ver
a aquella señorita de Alicante
con más de ochenta años de ternura
nutrirse despacito igual que un pobre
cartujo, allí sentada en su butaca.
Mi madre sonreía al verme sorprendido
contemplando a su madre, en una casa
cuya despensa inmensa
se parecía a un bodegón de Snyders.
Y alguna vez, para explicarme aquello,
me dijo llanamente: es por la guerra;
no te preocupes, Jaime, es por la guerra.
Dos décadas después, y a casi un siglo
de la Guerra Civil, ahora soy yo
el que coge el pan duro
y lo besa despacio
y se lo come haciéndolo migajas
con un café con leche.
Mi mujer no da crédito, y se queda
alucinada cuando le contesto
completamente en serio que no le dé importancia,
que lo hago por la Guerra.

terça-feira, maio 17, 2011

segunda-feira, maio 16, 2011

Sebastião Alda/Moçambique

NINGUÉM MEU AMOR

Ninguém meu amor

ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos
apagar com ele
os barcos de papel dos nossos
lagos
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite
hoje do mesmo lado

Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Até que o sol degole
o horizonte em que um a um
nos deitam
vendando-nos os olhos

Sebastião Alda/Moçambique

Jorge Macedo/Angola



























A CIDADE À NOITE

A festa dos reclamos luminosos
é minha.
Não gosto de coisas reais.
Todas as ilusões
me pertencem.
Sou milionário universal
da fantasia.
Gosto de passar pelas montras
e sonhar...

Sonhar sonhando,
sem cobiça,
sem pólvora, sem sangue,
sem ódio,
sem ferir o mundo.

Manuel António Pina, in "Atropelamento e Fuga"

Não o SonhoTalvez sejas a breve
recordação de um sonho
de que alguém (talvez tu) acordou
(não o sonho, mas a recordação dele),
um sonho parado de que restam
apenas imagens desfeitas, pressentimentos.
Também eu não me lembro,
também eu estou preso nos meus sentidos
sem poder sair. Se pudesses ouvir,
aqui dentro, o barulho que fazem os meus sentidos,
animais acossados e perdidos
tacteando! Os meus sentidos expulsaram-me de mim,
desamarraram-me de mim e agora
só me lembro pelo lado de fora.

OBS
Em menos de meia hora o júri chegou a uma decisão consensual: Manuel António Pina é o vencedor do Prémio Camões 2011. Apesar de tão óbvia, a decisão apanhou o escritor desprevenido. "Foi a coisa mais inesperada que eu poderia esperar. Nem sabia que o júri estava reunido, nem que o prémio ia ser atribuído hoje. Portanto, fiquei absolutamente surpreendido", disse ontem à Lusa. O júri distinguiu a obra de Pina pela sua "inventividade e a originalidade". "Sinto-me um bocado embaraçado, atendendo à qualidade das pessoas, ao Panteão a quem já foi atribuído anteriormente o prémio", disse o escritor.

Com 67 anos, o jornalista do Sabugal, licenciado em direito, dividiu-se por várias áreas da literatura. O homem dos quatro ofícios: poesia, teatro, literatura infantil e ficção.

Em 1973 editava o seu primeiro livro: "O País das Pessoas de Pernas para o Ar". Como o título indica trata-se de um livro infantil que explora um lado mais surreal e humorístico, como no conto do menino Jesus não queria ser Deus. A sua obra infantil rompeu com a tradição e já faz parte dela, ao ser incluído no Plano Nacional da Leitura. Em 1974, Manuel António Pinta lançava-se na poesia com "Ainda Não É o Fim nem o Princípio do Mundo Calma É Apenas Um Pouco Tarde". "Acaba por ser também um prémio dado à poesia, que faz todo o sentido, porque continuamos a ser um país de grandíssimos valores nessa área e com um reconhecimento que é sempre justo e positivo", afirmou José Luís Peixoto à Lusa. Mário Cláudio concorda e defende que premiar a poesia é importante, pois tem estado mais esquecida.

Manuel António Pina ainda escreveu para teatro, sendo "História do sábio fechado na sua biblioteca", a sua última peça. O nome do escritor está associado à história do jornalismo. "Inovou muito no jornalismo português. Deu alma às notícias, com uma abordagem mais poética, mais livre", defendeu o historiador Germano Silva.

segunda-feira, abril 25, 2011

DIANTE DE MAZELAS Entrevista com RONIWALTER JATOBÁ


Álvaro Alves de Faria • São Paulo – SP
Divulgação

Roniwalter Jatobá: “Escrevo com o que sou. Sou o que há de mim, apenas”.
Ao falar sobre o que não agüenta mais na literatura brasileira, o escritor Roniwalter Jatobá cita a tal geração 90. Ele tem razão. É muito discurso para pouca obra. Muito palavreado. Muitas palavrinhas adocicadas daquela crítica sem compromisso com nada. O jornalismo cultural está repleto dessa crítica que prima especialmente pela leviandade. Roniwalter Jatobá é um escritor brasileiro na mais correta acepção da palavra. Um escritor sério que trabalha na literatura há 30 anos, sem nunca ter cedido às facilidades que se tornaram reinantes neste país de desencantos. Um de seus livros mais representativos, Crônicas da vida operária está saindo numa nova edição. Um dos mais significativos livros da literatura contemporânea brasileira. Entre outros, Roniwalter é autor de Sabor de química (1976), Filhos do medo (1982), Pássaro selvagem (1985), Tiziu (1994), O pavão misterioso (1999), Paragens (2004), além de livros de História,como Juazeiro, guerra no sertão (1997), A crise do regime militar (1997) e uma biografia de Che Guevara. Prepara agora um livro sobre o presidente JK. O que vale nesta literatura de Roniwalter Jatobá é sobretudo a honestidade ao ofício de escrever. Distante de grupos, ele desenvolve uma obra importante para a ficção brasileira. Hoje, diz sentir-se cansado, mas adianta que continua entre a literatura e o jornalismo. Acredita que a literatura serve para enriquecer o espírito humano. Um escritor dentro e diante de seu tempo. Sempre foi assim. Sempre trilhou o caminho mais difícil, o da seriedade. Já que - ao que tudo indica - a literatura merece respeito. Essa literatura tem em Roniwalter Jatobá um momento de esteio. Felizmente ainda existem no Brasil escritores como ele.

• O que representa para você esta reedição de Crônicas da vida operária?
Sinto, com muito orgulho, que representa um reconhecimento ao trabalho que venho realizando na literatura brasileira há quase três décadas. O livro foi lançado, pela primeira vez, em 1978, logo depois de ter uma boa acolhida no Prêmio Casa das Américas, em Cuba. De lá para cá, teve cinco edições pela Global Editora e uma, em capa dura, pelo Círculo do Livro. Esgotado, agora sai pela editora Lazuli com nova concepção gráfica, trazendo o prefácio original do escritor e jornalista Fernando Morais e acrescido de um posfácio do professor doutor Flávio Aguiar, da Universidade de São Paulo (USP), que analisa a importância da obra no contexto da realidade do País naquele período. Recentemente, o escritor Luiz Ruffato fez uma seleção e prefaciou uma série de contos, boa parte deles presentes em Crônicas da vida operária e Sabor de química (Prêmio Escrita de Literatura, 1977), que refletem o trabalhador no difícil dia-a-dia de São Paulo. Generoso, Ruffato dirige seu olhar crítico para o meu trabalho e o seu texto talvez explique um pouco mais o motivo da editora reeditar o meu livro. "Se nos debruçarmos sobre a produção ficcional brasileira ao longo do tempo, poucas vezes vamos flagrar personagens exercendo algum tipo de atividade laborativa" escreve Ruffato. "Em geral, os escritores nacionais, bem-nascidos, satisfazem no próprio âmbito da classe média as suas necessidades de criação - nicho onde o trabalho nem sempre é bem visto. Quando extrapolam os seus horizontes, caem na tentação ou de idealizar o trabalhador, exibindo a exploração de que é vítima para combater politicamente sua opressão, ou de romantizar a figura do malandro ou do bandido, como pretenso contraponto rebelde às injustiças da sociedade. Isso porque, talvez, a literatura de boa qualidade exija uma dose mínima de veracidade - e são escassos os autores brasileiros conhecedores das mazelas da classe trabalhadora. Roniwalter Jatobá é uma dessas exceções. Ele praticamente instaura a literatura proletária brasileira - e sintomaticamente conta com escassos herdeiros. Antes, o trabalhador urbano pode ser entrevisto em um que outro romance - O cortiço, de Aluísio Azevedo, de 1890, Os corumbas, de Amando Fontes, de 1933, O moleque Ricardo, de José Lins do Rego, de 1935 - ou em um que outro conto - de autores como Mário de Andrade e Alcântara Machado. Contemporaneamente, alguns poucos se aventuraram no tema. Mas, sem dúvida, Jatobá é pioneiro ao alicerçar no operário a sua obra." No fervor do final dos anos 70, tive críticas favoráveis, mas ao mesmo tempo também vieram inúmeras pauladas, entre elas a de que eu era um estranho no ninho da classe operária, omitindo que eu fora um trabalhador registrado na carteira profissional em indústria do ABC. A reedição do livro e os textos de Luiz Ruffato e Flávio Aguiar me deixam agora com a sensação de meio caminho andado nessa estrada cheia de obstáculos que é a literatura brasileira.

• Há pouco tempo, você publicou pela Nova Alexandria um livro sobre Che Guevara. A editora solicitou esse livro. Agora sei que você prepara outro, sobre o presidente JK. Como é isso de escrever livro solicitado pela editora? Muitos dizem que isso diminui o trabalho de um escritor. Você concorda com isso?
Balela. Livro de encomenda pode ser igual, ou melhor, do que qualquer um outro. Dostoievski, na Rússia, e Graciliano Ramos, no Brasil, escreveram sob encomenda. Ainda não escrevi ficção encomendada por editores porque dificilmente eles pediriam para escrever sobre a trágica vida brasileira. Mas, os livros que fiz solicitados pelas editoras estão todos classificados como história. Isso porque há pelo menos três décadas o meu meio de sobrevivência tem sido o jornalismo, sobretudo em duas publicações muito especiais que abordavam a história brasileira: Nosso Século, da Abril, e Retrato do Brasil, das editora Três e Política. Por isso, aproveitando minha experiência, fiz o livro do Che, estou fazendo outro sobre JK, que será lançado em 2006, quando completam 30 anos de sua morte. E já editei A crise do regime militar e Juazeiro: guerra no sertão, sobre o padre Cícero, ambos pela Ática. Todos esses livros foram dirigidos ao público juvenil. Há escassez de bons textos para o público jovem. Até acho que os bons escritores deveriam dedicar um pouco de seu tempo para escrever para jovens. Numa crônica recente na Folha de S. Paulo, o poeta Nelson Ascher comenta sobre uma das responsabilidades sociais do escritor, que é a de também formar novas gerações de leitores. "A qualidade dos livros infantis e juvenis publicados no Brasil durante os decênios recentes não nos leva a nos ufanarmos de nosso País", diz Ascher. "Romancistas, contistas e poetas que desejem assegurar a existência de leitores futuros não estariam perdendo tempo caso se empenhassem em escrever, de quando em quando, bons livros para as crianças e adolescentes."

• Você sabe que a cultura brasileira, particularmente a literatura, se debate com a falta de um debate sério na chamada mídia cultural brasileira. Como você analisa isso?
A mídia cultural brasileira, com raríssimas exceções, não existe. O negócio hoje, sabemos todos, são números. Paulo Coelho em destaque nas capas em três revistas semanais, no lançamento do seu novo livro, é um exemplo disso. Quanto à divulgação do seu, do meu e do nosso trabalho, a exigência é ter amigos na imprensa. Sem esse pistolão, nada feito. Já notou que a imprensa paulista, que acompanho bem, só divulga seus colaboradores habituais? Se for gente do jornal, é gênio. O resto é o resto.

• O que você pensa da crítica literária do Brasil? Ela existe?
Tenho alguns conhecidos que agem assim: se a resenha de um livro é extremamente favorável nos jornalões de São Paulo, eles não compram. "É indicação de amigos", dizem. Se formos investigar, eles têm razão. Por aí se vê o quanto essa "crítica" é desacreditada em alguns meios intelectuais. Mas, felizmente, ainda temos uma regular crítica literária nas universidades, notadamente na USP e Unicamp, embora boa parte dos professores de literatura brasileira tenha medo de encarar autores contemporâneos. Mas, mesmo assim, de vez em quando a gente vê alguns trabalhos consistentes, análises criteriosas de quem realmente leu e estudou a obra analisada.

• Voltando ao Crônicas da vida operária. Lembro-me que quando foi lançado, seu nome foi enaltecido como um grande escritor que estava surgindo na época. O que esse livro representa na sua literatura?
Um grande amigo meu, o poeta Arnaldo Xavier, já falecido, foi quem me deu uma boa definição dos meus livros sobre a classe proletária de São Paulo. "Se um extraterrestre chegasse a São Paulo, descesse em São Bernardo do Campo e quisesse saber como era o cotidiano nas fábricas do ABC nos anos 70, o único registro seria a sua literatura", disse. Exageros de amigo à parte, também acho que ele revela por dentro o inferno da indústria automobilista do ABC, descrito por quem o conheceu como trabalhador; o inferno dos turnos de trabalho; o inferno da mais-valia que se transforma em lucros multinacionais e em danosos investimentos dos gringos na Amazônia; o inferno do facão (a ameaça permanente do corte, como instrumento de chantagem contra os que se recusam a fazer horas extras ou a trabalhar nos domingos). E tudo isso com o olhar atento a tudo que aprendi de literatura, insuflando alma aos personagens, cinzelando seus rostos, criando suas identidades perdidas e sempre em busca da felicidade, que é supremo objetivo dos homens.

• Como você se vê na produção literária atual deste país?
Sou um escritor obcecado com o trabalho que me propus a fazer nos começo dos anos 70, que é dar voz ao trabalhador em São Paulo, principalmente o migrante nordestino que vive na metrópole. Pertenço à ala dos ficcionistas brasileiros ligados à realidade, e com o fito de comprovar a existência de uma temática nossa, brasileira, longe de esgotar-se. Escrevo com o que sou. Sou o que há de mim, apenas. Às vezes, sinto cansaço, mas continuo entre o jornalismo e a literatura. Mas não me arrependo. Dependendo de quem escreve, as duas áreas podem se complementar. Os sertões, de Euclides da Cunha, surgiu de um olhar do repórter no conflito em Canudos, na Bahia. Gabriel García Márquez criou boa parte de sua obra na redação de jornais. O escritor, no entanto, não deve se esquecer que a literatura é arte, ou seja, busca uma transcendência, uma universalidade. Se abandona sua condição de arte, pode virar apenas, por exemplo, um documento antropológico.

• Qual o papel da literatura na vida das pessoas? A literatura, a poesia, a prosa, isso tem alguma importância nos tempos atuais?
Tem e sempre terá. O ato de ler poesia e prosa é uma das ocupações mais estimulantes e enriquecedoras do espírito humano. Para Mario Vargas Llosa, a literatura é uma atividade insubstituível para a formação de cidadãos na sociedade moderna e democrática. "Por essa razão, ela deveria ser semeada nas famílias desde a infância e fazer parte de todos os programas educacionais", diz o escritor peruano. "Nada nos protege melhor da estupidez do preconceito, do racismo, da xenofobia, do sectarismo religioso ou político e do nacionalismo excludente do que esta verdade que sempre surge na grande literatura: todos são essencialmente iguais." Filho de pais analfabetos, aprendi nos grandes romances a riqueza do legado da criatividade humana. A Bíblia com O Antigo Testamento, durante muito tempo, foi meu livro de cabeceira. A escola sempre teve um peso fundamental na descoberta da literatura, já que não tinha livros em casa. Durante o ginásio numa escola presbiteriana, em Campo Formoso, no sertão baiano, aprendi a gostar de ler e conheci os clássicos. Já durante a faculdade de jornalismo em São Paulo, conheci professores que amavam ler e que me levaram a dar os primeiros passos rumo à literatura. Lembro como se fosse hoje de Ana Teresa, professora e minha primeira leitora. Lembro do seu olhar atento, incentivador: "Vá, mande para as revistas literárias". Em salas de aula ela me passou a idéia de que eu poderia ser escritor e, se possível, bom escritor. Ou me mover sempre na busca daquilo que, segundo Ezra Pound, seria a principal obrigação do escritor: procurar manter viva a sua herança de cultura e o vigor, no meu caso, da língua portuguesa.

• O que é que você não agüenta mais na literatura brasileira?
Rapaz, tem tanta coisa... Para não me alongar, o debate vazio, a falta de idéias, a preocupação de certos autores com o estrelato. E, brincadeira, uma tal de geração 90.