segunda-feira, abril 25, 2011

DIANTE DE MAZELAS Entrevista com RONIWALTER JATOBÁ


Álvaro Alves de Faria • São Paulo – SP
Divulgação

Roniwalter Jatobá: “Escrevo com o que sou. Sou o que há de mim, apenas”.
Ao falar sobre o que não agüenta mais na literatura brasileira, o escritor Roniwalter Jatobá cita a tal geração 90. Ele tem razão. É muito discurso para pouca obra. Muito palavreado. Muitas palavrinhas adocicadas daquela crítica sem compromisso com nada. O jornalismo cultural está repleto dessa crítica que prima especialmente pela leviandade. Roniwalter Jatobá é um escritor brasileiro na mais correta acepção da palavra. Um escritor sério que trabalha na literatura há 30 anos, sem nunca ter cedido às facilidades que se tornaram reinantes neste país de desencantos. Um de seus livros mais representativos, Crônicas da vida operária está saindo numa nova edição. Um dos mais significativos livros da literatura contemporânea brasileira. Entre outros, Roniwalter é autor de Sabor de química (1976), Filhos do medo (1982), Pássaro selvagem (1985), Tiziu (1994), O pavão misterioso (1999), Paragens (2004), além de livros de História,como Juazeiro, guerra no sertão (1997), A crise do regime militar (1997) e uma biografia de Che Guevara. Prepara agora um livro sobre o presidente JK. O que vale nesta literatura de Roniwalter Jatobá é sobretudo a honestidade ao ofício de escrever. Distante de grupos, ele desenvolve uma obra importante para a ficção brasileira. Hoje, diz sentir-se cansado, mas adianta que continua entre a literatura e o jornalismo. Acredita que a literatura serve para enriquecer o espírito humano. Um escritor dentro e diante de seu tempo. Sempre foi assim. Sempre trilhou o caminho mais difícil, o da seriedade. Já que - ao que tudo indica - a literatura merece respeito. Essa literatura tem em Roniwalter Jatobá um momento de esteio. Felizmente ainda existem no Brasil escritores como ele.

• O que representa para você esta reedição de Crônicas da vida operária?
Sinto, com muito orgulho, que representa um reconhecimento ao trabalho que venho realizando na literatura brasileira há quase três décadas. O livro foi lançado, pela primeira vez, em 1978, logo depois de ter uma boa acolhida no Prêmio Casa das Américas, em Cuba. De lá para cá, teve cinco edições pela Global Editora e uma, em capa dura, pelo Círculo do Livro. Esgotado, agora sai pela editora Lazuli com nova concepção gráfica, trazendo o prefácio original do escritor e jornalista Fernando Morais e acrescido de um posfácio do professor doutor Flávio Aguiar, da Universidade de São Paulo (USP), que analisa a importância da obra no contexto da realidade do País naquele período. Recentemente, o escritor Luiz Ruffato fez uma seleção e prefaciou uma série de contos, boa parte deles presentes em Crônicas da vida operária e Sabor de química (Prêmio Escrita de Literatura, 1977), que refletem o trabalhador no difícil dia-a-dia de São Paulo. Generoso, Ruffato dirige seu olhar crítico para o meu trabalho e o seu texto talvez explique um pouco mais o motivo da editora reeditar o meu livro. "Se nos debruçarmos sobre a produção ficcional brasileira ao longo do tempo, poucas vezes vamos flagrar personagens exercendo algum tipo de atividade laborativa" escreve Ruffato. "Em geral, os escritores nacionais, bem-nascidos, satisfazem no próprio âmbito da classe média as suas necessidades de criação - nicho onde o trabalho nem sempre é bem visto. Quando extrapolam os seus horizontes, caem na tentação ou de idealizar o trabalhador, exibindo a exploração de que é vítima para combater politicamente sua opressão, ou de romantizar a figura do malandro ou do bandido, como pretenso contraponto rebelde às injustiças da sociedade. Isso porque, talvez, a literatura de boa qualidade exija uma dose mínima de veracidade - e são escassos os autores brasileiros conhecedores das mazelas da classe trabalhadora. Roniwalter Jatobá é uma dessas exceções. Ele praticamente instaura a literatura proletária brasileira - e sintomaticamente conta com escassos herdeiros. Antes, o trabalhador urbano pode ser entrevisto em um que outro romance - O cortiço, de Aluísio Azevedo, de 1890, Os corumbas, de Amando Fontes, de 1933, O moleque Ricardo, de José Lins do Rego, de 1935 - ou em um que outro conto - de autores como Mário de Andrade e Alcântara Machado. Contemporaneamente, alguns poucos se aventuraram no tema. Mas, sem dúvida, Jatobá é pioneiro ao alicerçar no operário a sua obra." No fervor do final dos anos 70, tive críticas favoráveis, mas ao mesmo tempo também vieram inúmeras pauladas, entre elas a de que eu era um estranho no ninho da classe operária, omitindo que eu fora um trabalhador registrado na carteira profissional em indústria do ABC. A reedição do livro e os textos de Luiz Ruffato e Flávio Aguiar me deixam agora com a sensação de meio caminho andado nessa estrada cheia de obstáculos que é a literatura brasileira.

• Há pouco tempo, você publicou pela Nova Alexandria um livro sobre Che Guevara. A editora solicitou esse livro. Agora sei que você prepara outro, sobre o presidente JK. Como é isso de escrever livro solicitado pela editora? Muitos dizem que isso diminui o trabalho de um escritor. Você concorda com isso?
Balela. Livro de encomenda pode ser igual, ou melhor, do que qualquer um outro. Dostoievski, na Rússia, e Graciliano Ramos, no Brasil, escreveram sob encomenda. Ainda não escrevi ficção encomendada por editores porque dificilmente eles pediriam para escrever sobre a trágica vida brasileira. Mas, os livros que fiz solicitados pelas editoras estão todos classificados como história. Isso porque há pelo menos três décadas o meu meio de sobrevivência tem sido o jornalismo, sobretudo em duas publicações muito especiais que abordavam a história brasileira: Nosso Século, da Abril, e Retrato do Brasil, das editora Três e Política. Por isso, aproveitando minha experiência, fiz o livro do Che, estou fazendo outro sobre JK, que será lançado em 2006, quando completam 30 anos de sua morte. E já editei A crise do regime militar e Juazeiro: guerra no sertão, sobre o padre Cícero, ambos pela Ática. Todos esses livros foram dirigidos ao público juvenil. Há escassez de bons textos para o público jovem. Até acho que os bons escritores deveriam dedicar um pouco de seu tempo para escrever para jovens. Numa crônica recente na Folha de S. Paulo, o poeta Nelson Ascher comenta sobre uma das responsabilidades sociais do escritor, que é a de também formar novas gerações de leitores. "A qualidade dos livros infantis e juvenis publicados no Brasil durante os decênios recentes não nos leva a nos ufanarmos de nosso País", diz Ascher. "Romancistas, contistas e poetas que desejem assegurar a existência de leitores futuros não estariam perdendo tempo caso se empenhassem em escrever, de quando em quando, bons livros para as crianças e adolescentes."

• Você sabe que a cultura brasileira, particularmente a literatura, se debate com a falta de um debate sério na chamada mídia cultural brasileira. Como você analisa isso?
A mídia cultural brasileira, com raríssimas exceções, não existe. O negócio hoje, sabemos todos, são números. Paulo Coelho em destaque nas capas em três revistas semanais, no lançamento do seu novo livro, é um exemplo disso. Quanto à divulgação do seu, do meu e do nosso trabalho, a exigência é ter amigos na imprensa. Sem esse pistolão, nada feito. Já notou que a imprensa paulista, que acompanho bem, só divulga seus colaboradores habituais? Se for gente do jornal, é gênio. O resto é o resto.

• O que você pensa da crítica literária do Brasil? Ela existe?
Tenho alguns conhecidos que agem assim: se a resenha de um livro é extremamente favorável nos jornalões de São Paulo, eles não compram. "É indicação de amigos", dizem. Se formos investigar, eles têm razão. Por aí se vê o quanto essa "crítica" é desacreditada em alguns meios intelectuais. Mas, felizmente, ainda temos uma regular crítica literária nas universidades, notadamente na USP e Unicamp, embora boa parte dos professores de literatura brasileira tenha medo de encarar autores contemporâneos. Mas, mesmo assim, de vez em quando a gente vê alguns trabalhos consistentes, análises criteriosas de quem realmente leu e estudou a obra analisada.

• Voltando ao Crônicas da vida operária. Lembro-me que quando foi lançado, seu nome foi enaltecido como um grande escritor que estava surgindo na época. O que esse livro representa na sua literatura?
Um grande amigo meu, o poeta Arnaldo Xavier, já falecido, foi quem me deu uma boa definição dos meus livros sobre a classe proletária de São Paulo. "Se um extraterrestre chegasse a São Paulo, descesse em São Bernardo do Campo e quisesse saber como era o cotidiano nas fábricas do ABC nos anos 70, o único registro seria a sua literatura", disse. Exageros de amigo à parte, também acho que ele revela por dentro o inferno da indústria automobilista do ABC, descrito por quem o conheceu como trabalhador; o inferno dos turnos de trabalho; o inferno da mais-valia que se transforma em lucros multinacionais e em danosos investimentos dos gringos na Amazônia; o inferno do facão (a ameaça permanente do corte, como instrumento de chantagem contra os que se recusam a fazer horas extras ou a trabalhar nos domingos). E tudo isso com o olhar atento a tudo que aprendi de literatura, insuflando alma aos personagens, cinzelando seus rostos, criando suas identidades perdidas e sempre em busca da felicidade, que é supremo objetivo dos homens.

• Como você se vê na produção literária atual deste país?
Sou um escritor obcecado com o trabalho que me propus a fazer nos começo dos anos 70, que é dar voz ao trabalhador em São Paulo, principalmente o migrante nordestino que vive na metrópole. Pertenço à ala dos ficcionistas brasileiros ligados à realidade, e com o fito de comprovar a existência de uma temática nossa, brasileira, longe de esgotar-se. Escrevo com o que sou. Sou o que há de mim, apenas. Às vezes, sinto cansaço, mas continuo entre o jornalismo e a literatura. Mas não me arrependo. Dependendo de quem escreve, as duas áreas podem se complementar. Os sertões, de Euclides da Cunha, surgiu de um olhar do repórter no conflito em Canudos, na Bahia. Gabriel García Márquez criou boa parte de sua obra na redação de jornais. O escritor, no entanto, não deve se esquecer que a literatura é arte, ou seja, busca uma transcendência, uma universalidade. Se abandona sua condição de arte, pode virar apenas, por exemplo, um documento antropológico.

• Qual o papel da literatura na vida das pessoas? A literatura, a poesia, a prosa, isso tem alguma importância nos tempos atuais?
Tem e sempre terá. O ato de ler poesia e prosa é uma das ocupações mais estimulantes e enriquecedoras do espírito humano. Para Mario Vargas Llosa, a literatura é uma atividade insubstituível para a formação de cidadãos na sociedade moderna e democrática. "Por essa razão, ela deveria ser semeada nas famílias desde a infância e fazer parte de todos os programas educacionais", diz o escritor peruano. "Nada nos protege melhor da estupidez do preconceito, do racismo, da xenofobia, do sectarismo religioso ou político e do nacionalismo excludente do que esta verdade que sempre surge na grande literatura: todos são essencialmente iguais." Filho de pais analfabetos, aprendi nos grandes romances a riqueza do legado da criatividade humana. A Bíblia com O Antigo Testamento, durante muito tempo, foi meu livro de cabeceira. A escola sempre teve um peso fundamental na descoberta da literatura, já que não tinha livros em casa. Durante o ginásio numa escola presbiteriana, em Campo Formoso, no sertão baiano, aprendi a gostar de ler e conheci os clássicos. Já durante a faculdade de jornalismo em São Paulo, conheci professores que amavam ler e que me levaram a dar os primeiros passos rumo à literatura. Lembro como se fosse hoje de Ana Teresa, professora e minha primeira leitora. Lembro do seu olhar atento, incentivador: "Vá, mande para as revistas literárias". Em salas de aula ela me passou a idéia de que eu poderia ser escritor e, se possível, bom escritor. Ou me mover sempre na busca daquilo que, segundo Ezra Pound, seria a principal obrigação do escritor: procurar manter viva a sua herança de cultura e o vigor, no meu caso, da língua portuguesa.

• O que é que você não agüenta mais na literatura brasileira?
Rapaz, tem tanta coisa... Para não me alongar, o debate vazio, a falta de idéias, a preocupação de certos autores com o estrelato. E, brincadeira, uma tal de geração 90.

“O BRASIL PRECISA DE MAIS PUTARIA, PERVERSÃO E UM CARALHO ARROMBADOR DE CU”






















Por Lauro Drummond

Lembra daquela febre brasileira de jogar bebês dentro da lagoa, dentro do bueiro, dentro da privada, dentro da fossa, dentro da usina hidroelétrica, dentro de qualquer coisa? Pois é, eu fui um desses bebês. Fui jogada lá dentro, dentro mesmo. Mas aí me acharam. Saí no jornal. Nome: Vitória. Todos os recém-nascidos jogados num buraco de bosta, chamavam-se, naquela época, Vitória. Fui mais uma.

Apesar de ter passado em cinco jornais diferentes da televisão, não fui adotada. Três anos depois, minha mãe, a Geralda, saiu da cadeia. Sabe-se lá por quê, o juiz, alegando que era função do Estado trazer o indivíduo para a sociedade, isto é, curando a gangrena social, deu-ma para ela novamente. Triste história. Vitória? Vitória dum caralho arrebentando o cu. Talvez.

Na infância ela dizia: “toma pinga, é bão prá alargá o rim”

Ela tinha uma cara de defunta, que dava dó, só vendo. Alargou tanto o rim, que o fígado não aguentou e saiu bem pelo cu. Vitória.

Mudei de casa. Meu pai, o Rarirama, um futebolista, que jogava num time da quarta divisão do Campeonato Brasileiro, passou a cuidar de mim. Rarirama. Para variar bebia, quando não tinha pinga, bebia perfume. Ficou conhecido como Cheiroso. Eu voltava da aula, diziam, melhor, gritavam: “OLHA A FILHA DO CHEIROSO!”

Meu pai, o Cheiroso, o Rarirama, dizia que meu nome dava sorte. Vitória. De fato, muita sorte. Um dia, voltando para casa, com o vidro de perfume na mão, um cachorro, que sofria de hidrofobia, atacou-o. Rarirama babou até morrer. No velório jogaram perfume em cima do caixão. A ideia do perfume adveio do Neca, meu Tio. Fui morar com ele. Vitória.

Neca gostava de criar cães, ele queria alugar cães. Era uma boa ideia, a do aluguel de cães, ele dizia. Sabe-se lá, por intervenção de Deus, ou de qualquer coisa, um cara, sem camisa, adentrou em nossa casa, esfaqueou os cachorros, depois meteu três tiros na testa do meu tio. Ninguém jogou perfume no velório. O cara, Riovaldo, tornou-se, depois, meu marido. Grande Vitória.

O Riovaldo, depois do enlace matrimonial, consertou-se. Tínhamos até um cachorro, o Blufi. Riovaldo trabalhava como garçom. Eu, por minha vez, tornei-me frentista. Num dia, sabe-se lá por que, Riovaldo resolveu assaltar o posto, meteu três tiros na minha perna, levou a grana. Não esqueço das palavras dele, quando o vi, com dinheiro dentro da bermuda, subindo na moto.

“O BRASIL PRECISA DE MAIS PUTARIA, PERVERSÃO E UM CARALHO ARROMBADOR DE CU”

Vitória. Gosto de ver os recortes dos jornais desbotados espalhados aqui no corredor do hospital.
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Não- Anita Tobato

Não sei, não sei,
Sei o que vi ,mas não sei aplicar como minha vó fazia com as lãs e grãos.

AVELOZ ANA CUERO

Marina abotou o vestido e saiu para o campo de aveloz
para queimar os olhos de tanta dor ja corrída

O escuro de teus olhos - Rene Caja


















Aliciei teus olhos meu filho
mas encontreio-os perdidos na mesma solidão com que passei quando do meu tempo de noturno e de soturnas indecisões
Doi-me e resgato-me a outro tempo, mas é inútil.
Cá estou calado e incerto a tatear teu mapa em que não encontro decisões nem territórios firmes.
Exata é tua indecisão, e em mim exata a solidão na minha cartografia vencida.