sábado, julho 06, 2013
Katia Borges
Minha avó era cega.
Dela, herdei a capacidade de ver sem usar os olhos.
E a paixão
por uns sambas antigos.
Partido alto, dona Ivone Lara.
Minha avó era alta.
Os cabelos muito lisos e compridos
envolviam a cintura.
Eram penteados com cuidado, todas as tardes, e presos em um coque.
Os vestidos, de tecido barato,
quase cobriam os pés.
Minha avó contava histórias de assombrar,
ensinava a amar certas canções
e fazia predições todo final de ano.
Eu fugia com medo do futuro, e me escondia no quarto.
O presente me bastava com seus fantasmas
e as notícias do mundo no Fantástico.
Minha avó gostava de beber aperitivos,
de mascar fumo e de me ouvir cantar
uma música de um português chamado Hermes Aquino.
Poucos se lembram dele.
Poucos se lembram dela.
Poucos se lembrarão de mim.
Minha avó era cega.
Dela, herdei a capacidade de ver sem usar os olhos
Katia Borges Salvador
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