Engaieime no amor troci a língua e fiquei sem fala. jurei a santa, mai a dor piorou, engaiei-me de veis e amarelei-me no relento da sordade, as asas do meu sonho quebrouse de veis
Leslie Kaplan nasceu em Nova Iorque em 1943 e é uma poeta francesa. Vive na França desde os três anos, é psicanalista e seu trabalho com a língua põe em jogo muitas vezes sua condição bilíngue, como neste poema reproduzido aqui sobre o beijo entre as duas línguas: translating is sexy, ela diz, buscando o ponto em que as duas línguas se encontram lá no fundo da boca – a poesia, talvez? Seu primeiro livro, L’Excès-l'usine, foi publicado em 1982. No Brasil, saiu o belíssimo romance O psicanalista, pela Companhia das letras, terceiro volume da série Depuis maintenant, que conta a história de Eva, personagem que consegue, lendo e pensando nos romances de Kafka, “dar um pulo para fora da fila dos assassinos” de sua própria vida. Leslie Kaplan publica pela P.O.L. Éditeur e seu último romance, Minha América começa na Polônia, constitui um relato autobiográfico que conta a história de sua família e a sua própria – os avós poloneses, imigrantes judeus nos Estados Unidos no começo do século XX, e os pais, americanos, que foram para a Europa durante a segunda guerra e se estabeleceram na França do pós-guerra. O romance conta suas idas e vindas sobre o Atlântico, coadunando na linguagem chewing-gum e ice-creams americanos com cafés e boulevards franceses.
--- Marília Garcia
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POEMA DE LESLIE KAPLAN em tradução de Marília Garcia
Translating is sexy
a poesia é um beijo entre duas línguas a french kiss ou um beijo americano
buscar o ponto em que as duas línguas se encontram lá no fundo da boca ou então na superfície a ponta da língua contra a ponta da outra língua how do you say that in english? I love you that’s all and hold me tight and give it another try baby
qual é o ponto de encontro the meeting point mas aí a gente pensa em carne I can’t meet you here dear meat
let’s play a game sim, vamos jogar um pouco
translating is sexy
I know that
então
a boca the mouth a língua the tongue
descreva a sensação ooh ooh ooh descreva de verdade
the tip of my tongue dear love will touch yours dear love and we will sing dear love together
the tip of my tongue will touch yours
we won’t sing my love we will breath my love in silence
we won’t sing we will breath in silence
we will live and touch slowly
does the tongue have a skin? the soft skin of the tongue will rape me not rape wrap not wrap
uma língua doce um pouco rugosa
e não vamos falar da saliva essa substância mole e doce na boca
podemos trocá-la
ou talvez ela troca você como uma velha ponte mole
dilui-se dentro dela ela faz você passar é uma língua uma saliva uma velha ponte mole ela leva você ela faz você passar
but say it again the soft skin of the tongue
some thing soft and pointed
how is that possible
it is
say it and do it
you do it to me I’ll do it to you again and again till silence how is silence possible the soft skin of silence
it is
soft silence pointed silence
can silence be a bridge? it can it is
and here we are welcome
little word little word
diga-me uma palavra só uma palavra
she didn’t like men with poney tails ela não gostava de homens com rabos de cavalo
cortes nuances atenção
I told you
about translating
give me one word just one word that would open up open up explode and multiply
sim vamos lá acabe comigo
a word uma palavra
a word from you my love breaks me up my love and makes its way
my love far inside me
sim mas sim
she always gave him a lot of trouble era uma chata
shut up stupid me beija estúpido there was this awful american woman who would say she wanted to have sex
é nojento
é mesmo
but they do they say that
those terrible american woman
essas mulheres americanas horríveis
oh oh
Mas o céu, e essas estrias. Nada nos protege de sua beleza. Todo querer. O céu, o vinho, os livros, o amor. E o pensamento. Se não temos o pensamento, não temos nada. Nada de sua vida. Nada. Mas o pensamento, não o temos. Pensamos ele.
all the words
from all the times from all the lives you have lived and will live
todas as palavras estão aí disponíveis elas esperam all the words and all the worlds from all the lives and all the lovers cada palavra está ali não amanhã hoje AGORA
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A quem quiser conhecer a voz da poeta, no vídeo abaixo ela oraliza seu poema "Les Outils":
Quando eu era pequeno eu lia com as mãos, pegava largatixa, formiga,chave velha enterrada, folhas, pingo de chuva,as nuvens das paineiras, os pelos dos gatos, do carneiro, as penas das galinhas eu aprendia com todo o corpo, hoje fecharam as mãos para o mundo e se aprende só com as letras.
Corsino António Fortes (São Vicente, 1933) é um escritor e político cabo-verdiano. É licenciado em Direito, pela Universidade de Lisboa (1966). Integrou vários governos na república de Cabo Verde, país de que foi Embaixador em Portugal. Presidiu à Associação dos Escritores de Cabo Verde (2003/06). Autor de obras como Pão e Fonema (1974) ou Árvore e Tambor (1986), a sua obra expressa uma nova consciência da realidade cabo-verdiana e uma nova leitura da tradição cultural daquele arquipélago. Retirado de Antonio MIranda
De pé nu sobre o pão da manhã
Desde a manhã os pés Estão nus ao redor da ilha, Nus de árvore nus de tambor Joelhos de sol E volutas de poeira Nos tornozelos Em movimento
Desde o início O tambor dos dedos Sob o pão das pedras O cão das artérias preso na voragem Dos calcanhares Que agitam Na terra polvorenta o ponteiro dos membros sobre a testa do mundo
Os membros o mundo o meridiano de permeio
O sarilho dos corvos na falésia Anuncia-nos
À boca do povoado Ao vento gordo sabor a fiambre hálito de pão novo
À beira-mar erguemos as nossas costelas À promessa pública do mar E À beira-mar navegamos Com mãos menos mãos Com pés menos pés De proteínas