domingo, agosto 13, 2017

A melodia às avessas de Samarone Lima Rev Brasileiros



De Crato a Recife, conheça o poeta da memória e da música silenciosa



Todo poema tem a missão de provocar no leitor algo que o incomode, que o faça se perder (…). Como diz Juarroz:
‘A poesia é o maior realismo possível’. Ela salta o nome das coisas, para nomeá-las de outra maneira. Desnorteia. Puxa o tapete”
Samarone Lima é um cavalheiro, jovem-antigo, pesca fatos como jornalista e embrulha palavras com sua poesia. Seu lirismo se debruça sobre os mais diversos acontecimentos e os transforma em versos, embebidos de uma política do subjetivo sobre a qual alisa sílabas, dá contorno à palavra e consistência ao poético.
O professor e crítico literário Lourival Holanda escreve no posfácio do primeiro livro de poesias de Samarone, o duplo A Praça Azul & Tempo de Vidro (Editora Paés, 2012): “Na agreste figura dele, a poesia surpreende como a floração de um mandacaru… O poema de Samarone vai na contramão do consensual e, porque um hino à memória, guarda o mel dos momentos mágicos num processo de retenção sem pressa… E assim o poeta reconstrói sua delicada geometria de esplendores…”.
Sama nasceu, em 1969, no Crato (CE), mas desde 1987 vive em Recife. Tem trabalhado em diferentes projetos literários, como os livros-reportagem  (1998) e Clamor (2003), que estão sendo adaptados para cinema, e os livros de crônicas Estuário (1995) e Trilogia das Cores (2013). Só recentemente passou a publicar sua obra poética. Seu livro mais recente é O Aquário Desenterrado (Editora Confraria do Vento, 2014). Samarone recebeu a Brasileiros em uma livraria em Recife, onde batemos o papo a seguir.

Brasileiros – Fazer poesia é um ato político?
Samarone Lima – A literatura é sempre um ato político. E, se for sutil, abre mais espaços em pensamentos fechados. A palavra sempre me abriu caminhos. Como sempre publiquei muito as crônicas no meu blog (estuario.com.br), a quantidade de leitores era enorme. Fui publicando os poemas de forma quase clandestina em outro blog (quemerospoemas.blogspot.com). Era um problema existencial. De um lado, eu não queria muito mostrar os poemas. De outro, me lamentava ser conhecido apenas como cronista, jornalista. O fato de um leitor ter me encontrado e instigado a mostrar a poesia foi determinante. Devo isso ao amigo Arsênio Meira Jr., grande amante e conhecedor de poesia.
Brasileiros – Um de seus temas é a solidão na infância, a adolescência, as…
S.L. – … As muitas coisas. A solidão da infância, as dezenas de casas onde vivi, do Crato, no Ceará, passando pelo Maranhão, depois Fortaleza, Recife, São Paulo. Tentei apenas decifrar meu mundo de forma poética. A poesia pode também ser memorialista, mas não tem uma linha reta como na prosa.

Brasileiros – Você tem um memorial poético bem exposto na sua poesia… mãe, primos, etc.
S.L. – No meu primeiro livro duplo, temos as duas vertentes. A Praça Azul traz poemas soltos, com aparições da memória. Em Tempo de Vidro, fiz uma espécie de ritual da memória, indo aos antepassados, passando por mim, chegando novamente aos velhos. Em O Aquário Desenterrado, deixei que tudo viesse da forma mais pura, aberta. Cito nomes de tios, falo dos primos, do meu pai, dos irmãos. Me senti muito bem acompanhado. Nós e nossas dores, alegrias, fracassos, como uma grande constelação.

Brasileiros – O poeta tem o que se chama inspiração ou essa é uma palavra oca?
S.L. – Acredito que tenho, sim, dias mais inspirados. A escrita sai quase de uma fonte cristalina, basta se agachar, juntar as mãos e beber dela. Mas há dias duros, de luta mesmo, de frio, cansaço, solidão. Neste caso, recorro aos diários. Tenho dezenas de cadernos, que sempre me trazem alguma surpresa, uma frase, um tema. Cadernos velhos são meus fertilizantes.

Brasileiros – Quais autores brasileiros são para você um ponto de partida ou de chegada?
S.L. – Sendo meio óbvio, Murilo Mendes e Jorge de Lima. Mas tenho minha ramificação poética com outras fronteiras. Roberto Juarroz e Juan Gelman (argentinos), T.S. Eliot (norte-americano/inglês) e o abismo que é o Vicente Huidobro (chileno).

Brasileiros – Você tem uma relação mística, sagrada, com o exercício da poesia?
S.L. – Sim, creio, porque a palavra, em sua raiz original, tem o sagrado e o dom. Eu realmente trato a poesia como algo sagrado. O dom é outro aspecto, que tem o mistério rondando. Nunca sei de onde um poema vem, nem para onde vai. Tento esse exercício da poesia com as coisas cotidianas, os sobressaltos, impasses, desenganos, frustrações. Não é por acaso que meus parentes são personagens de vários poemas, eu mesmo apareço e me deixo desnudar. Vou construindo uma poesia que sirva para dar conta da minha vida, mas tentando ir sempre ao encontro do leitor.

Brasileiros – E qual seria uma definição de poesia para você?
S.L. – Poesia, para mim, é o descolamento silencioso, rastejante da palavra em relação ao objeto contemplado. Um descolamento da palavra de seu significado habitual. Eu busco essa renúncia. Não apenas para sentir-me completo, mas também para conservar a tradição milenar de entender a poesia como uma espécie de música quase silenciosa. Uma melodia às avessas. Como diz um poeta que me é caro, o argentino Roberto Juarroz, a poesia é um “visionária e arriscada tentativa” de levar o homem ao espaço do impossível, que às vezes se parece também com o espaço do indizível. É meu testemunho, minha obsessão. De novo Juarroz: “Uma peregrinação de meu destino através da linguagem”.

Brasileiros – Você vê seus versos pelo buraco da fechadura, como diria Nelson Rodrigues?
S.L. – Meus versos não são próprios (exceto um ou outro) para serem lidos em voz alta (não cabem na “declamação” porque isso guarda um elemento teatral). Há algo de contido, até porque tinha uma timidez assombrosa em mostrá-los. Quem me salvou do anonimato poético foi o amigo Arsênio Meira Jr., que fez uma seleção do primeiro lote que publiquei silenciosamente na internet (quemerospoemas.blogspot.co). É um despojamento, um desnudamento. Já tive oportunidade de fazer algumas raras leituras, mas prefiro em voz baixa, quase um sussurro, até porque me emociono quando vou ler. Essa emoção que me leva ao engasgo, é o que tento levar ao leitor. A poesia que me comove e que tento escrever se move pela completude amorosa, compreendendo, sobretudo, a memória e o exílio das minhas desarmonias, que são muitas.

Poema inédito
Manual de espera e solidão
Como no silêncio sem rastros
De um animal desvairado
Com seu cheiro difícil de esquecer
de tão próximo.

Ou como o espaço que lhe damos
Entre os ossos
Dessa ausência doentia
De tudo o que se quer.

Como se aquilo que se perde
Não virasse outro abismo –
O de ter sido.

E mesmo assim, se promulga a voz
Do absoluto desejo.

Tão imaculado, tão limpo, tão puro
Que sequer precisa de um nome
Para saber-se vivo.
Brasileiros – A relação entre prosa e poesia?
S.L. – Bem, enquanto a prosa tem um sentido lógico, definível, a poesia é alógica, evoca sentidos vários, não tem medida, exceto aquela que enxergamos. Talvez por isso os meus versos tenham demorado tanto a serem publicados. Eu desejava que eles tivessem a força de um filho há muito esperado, e que depois segue seu caminho. Eles ainda são muito duros, mas até a dureza tem algo de contido. A Praça Azul & Tempo de Vidro foi o livro possível, mas que resultou em uma espécie de alívio. Fiz minha inauguração. No final de 2013, veio O Aquário Desenterrado. Vi que estava com a alma mais livre, que podia dizer de forma mais intensa o que me era caro. As minhas contradições, memórias, minha vida feitas de tantas casas, tantas cidades, vivências. Um desaprumo que a poesia me possibilita refazer. Desejo apenas seguir nesta jornada pela poesia, sem nenhuma pressa.

Brasileiros – A busca pela completude amorosa é a qualquer preço?
S.L. – Não. Há condições. Logo no primeiro poema de O Tempo de Vidro, isso soa claro, como neste trecho: “Quando voltei/Aos seios de minha mãe/Morri de sede./Minha parte no mundo/Era destinada ao desconhecido/Que sempre fui”. Isso não é nem uma introdução de poema, isso é uma recomendação a mim mesmo. Lá, já nas origens, tudo se configurava. No meio do espanto, me vi escrevendo cada vez mais poesias, fazendo um diário de minha própria trajetória, tentando me reconhecer e me perdoar. Não sei se consegui, porque o perdão é uma tarefa para a vida inteira.
Todo poema tem a missão de provocar no leitor algo que o incomode, que o faça compreender, ou mesmo se perder, pois afinal de contas, perder-se também requer um roteiro, um caminho, um mapa necessário para subirmos novamente a montanha. Como diz Juarroz: “A poesia é o maior realismo possível”. Ela salta o nome das coisas, para nomeá-las de outra maneira. Desnorteia. Puxa o tapete, escancara o coração. Deve nos fazer pensar. Não lembro agora o autor de uma frase belíssima (não sei se foi o Jean Cocteau), que perguntou o seguinte: “– Se sua casa estivesse pegando fogo, o que você salvaria primeiro?”. Eis a resposta: “– O fogo”. Assim entendo e vivo a poesia. Uma urgência enlaçada pela afeição desesperada.

*Arsênio Meira de Vasconcellos Junior é bacharel em Direito, ocupa um cargo público e é um viciado em poesia e incentivador da poesia brasileira.

quinta-feira, agosto 03, 2017

PENSAMENTO ENQUANTO TEÇO UM PEQUENO TAPETE capturas do face..Micheliny Verunschk


Micheliny Verunschk

Há alguns anos falei sobre a obra dela, obra de arcada boa, densa, nordestina afoita e sem meio termo ela é uma jovem, mas gosta de ser senhora e mãe, brinca com os dois status, mas  vamos falar de poesia, sempre achei seus poemas muito bons, parece que agora ela acredita mais, capturei-os no face.....leiam...Paulo Vasconcelos



ENQUANTO TEÇO UM PEQUENO TAPETE
se os nomes das mulheres 
assassinadas
fossem lã
a lã que tece os tapetes
se o nome das mulheres
assassinadas fosse linha
a linha em torno dos dedos
ou na trama do tear
daríamos voltas e voltas
e voltas e voltas
movimento de rotação
nesse planeta triste para mulheres
voltas e voltas
voltas e voltas
um novelo imenso
muito maior que o planeta
com nossos nomes
com nossas lágrimas,
avó aranha.

                                                       imagem | 1906, Magdeline Whea-kadim, mulher do povo Tulalip, é                                                                                 fotografada enquanto tricotava

Micheliny Verunschk é autora dos romances O peso do coração de um homem (Patuá, 2017), Aqui, no coração do inferno (Patuá, 2016) e nossa Teresa – vida e morte de uma santa suicida (Patuá, 2014) – projeto com patrocínio da Petrobras Cultural. Também é autora dos livros Geografia Íntima do Deserto (Landy 2003), O Observador e o Nada (Edições Bagaço, 2003) e A Cartografia da Noite (Lumme Editor, 2010). Foi finalista, em 2004, ao prêmio Portugal Telecom como livro Geografia Íntima do Deserto. É doutora em Comunicação e Semiótica e mestre em Literatura e Crítica Literária, ambos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. O romance nossa Teresa - vida e morte de uma santa suicida - ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura 2015 - categoria melhor romance de 2015 - autor estreante acima de 40 anos e foi finalista do Prêmio Rio de Literatura 2015...apud http://bit.ly/2w8ti4Z

domingo, julho 30, 2017

Mais importante do que o pensamento é o que “dá a pensar” -pegadas do Facebook-

Mais importante do que o pensamento é o que “dá a pensar”;
mais importante do que o filósofo é o poeta".
(Deleuze)

Elton Luiz Leite de Souza 
“Philo” significa tanto “amor” como “amizade”. Assim, a filosofia não é prática apenas intelectual, teórica (tampouco o pensar é exclusividade do filósofo). E “sophia”, por sua vez, não significa o mesmo que “razão”. “Sofia”, inclusive, é um nome, um singular nome, que pode expressar a mulher, ou o que no homem for devir-feminino. Mas “Razão” é um padrão masculino, “falocrático”.

Para Deleuze, a filosofia não é somente Conceito, ela também é Afeto. Espinosa, libertariamente, identifica o pensar à Alegria. Outros, como Kierkegaard, Heidegger e Sartre, dizem que pensar é fazer frente à Angústia. Nunca, absolutamente nunca, o pensar pode nascer do ódio, da covardia, da intolerância ou da mera ostentação de conhecimentos acadêmicos. Ao contrário, o pensar talvez seja um esforço para se tentar vencer essas “sombras”, como diria Jung, ou essas “servidões”, pessoais ou coletivas, conforme diagnosticou Espinosa. O pensar é isso ou então não é nada...E é antes de tudo naquele que pensa que a vitória deve anunciar-se primeiro. Não para colocá-lo num pódio acima dos outros, mas para fazê-lo cultivar ouvidos para ouvir aquela lição simples e modesta, sempre atual e nada livresca, de Espinosa: "não zombe, não lamente: compreenda. Apoiado na compreensão, aja."

terça-feira, julho 25, 2017

A fruta Gogoia

A Canção como vibração de um fruto maduro: Fruta Gogoia

                                            fonte :http://bit.ly/2eIvzj5

                                   fonte :http://bit.ly/2eIvzj5
A canção como vibração de um fruto maduro: Fruta Gogoia,

Cantar é saber dizer linguagens, é legitimar a música, a letra, é aumentar o ganho sonoro com a interpretação que se faz. Isso ocorreu com o CD (com 18 faixas) e show “Fruta Gogoia”, com Jussara Silveira e Renato Braz.
Para aumentar a dimensão do fato, o show no Sesc Vila Mariana, na última sexta feira 08.07, estrondou a cena e o público aplaudiu de pé inúmeras vezes.

O álibi foi a homenagem a Gal Costa, 50 anos de carreira, em seu repertório ao longo de décadas. Mas a escolha é que foi esculpir em ferro: difícil, mas acertadíssima. Fizeram  parte  assim  compositores que vão de Tom Jobim a Caetano Veloso, passando por Dorival Caymmi, Jards Macalé, Chico Buarque, Luiz Melodia. 


O SESC  teve a honra de agasalhar este projeto que marcará sua carreira, já longa de grandes produtos culturais. Danilo Miranda estava presente na estreia, no auditório, e não media fogo nos aplausos, junto com outros convidados.

Luiz Nogueira, produtor cultural e musical, teve a audácia de qualidade de se inspirar com perfume da flor de Gal Costa e cometeu seguidos audácias: ao juntar Renato Braz , Jussara Freire e músicos estonteantes, afora o inesquecível arranjo de Dori Caymmi.
 

Apresentam-se entre outras músicas “Estrada do Sol”, de Tom Jobim e Dolores Duran; “Vapor Barato”, de Jards Macalé e Waly Salomão; “Folhetim”, de Chico Buarque; “Volta”, de Lupicínio Rodrigues; “Pérola Negra”, de Luiz Melodia; “Sorte”, de Celso Fonseca e Ronaldo Bastos; “Só Louco”, de Dorival Caymmi. Também não ficaram de fora da homenagem “Modinha para Gabriela” e, claro, “Fruta gogoia”.

Renato faz um dupla perfeita incorrigível com Jussara, que, por sua vez, canta com o corpo todo e rearranja o corpo e o vestido com suas mãos que regem por inteiro as canções de modo a dar um outro tom à música. Ela rege muito bem com seus dedos como se violasse a melodia com e no corpo, que também vibra.

Ela é uma cantora de extremo bom gosto e sem audácia de querer ser insuperável e, assim, torna-se. E, mais, faz brilhar estalos da sua loucura de intérprete. Sua simplicidade é o segredo de seu tônus, que ultrapassa ditames do é que ser uma a cantora: ela é a própria fruta gogoia, é uma moça, é uma joia!

Ele, Renato, na sua forma de estar em cena, passa a tranquilidade dos que tem sede de cantar se encontrado consigo ao vozeirar as canções qual uma viola do mato afinada junto às frutas, as canções. Assim seu violão e sua voz assaltam-nos de emoção e poesia soberba.

O repertório não tem falha, é um repaginação da música brasileira, feito com um cuidado de quem sabe ouvir e redizer.

Os  arranjos tiveram a batuta doce e clássica de Dori Caymmi que tanto já arranjou  para Gal Costa, mas todos os arranjos pensados para as canções do disco traduzem a elegância das composições, chamando um time de músicos conceituados para executar suas faixas. Além de  Dori, que toca violão – no disco – em algumas das faixas; Itamar Assiere, no piano; Celso de Almeida, na bateria; Teco Cardoso, nos sopros; Swami Júnior, no violão 7 cordas; Sizão Machado, no baixo; Bré Rosário, na percussão; e Toninho Ferragutti irrepreensível e deslumbrante no acordeom. Toninho é responsável também pelo arranjo da canção que dá título ao disco. Além disso, Mário Gil faz a produção musical e o violão na faixa “Meu bem, meu mal”.

Algumas canções são acompanhadas por um octeto de sopros, com a nata dos músicos de sua vertente. Outras por um quarteto de cellos ou um conjuntos de cordas. Neste caso, a arregimentação ficou nas mãos do maestro Claudio Cruz, fantástico.

Na estrutura visual, caso do show, disco e no design de imagens de Regina Silveira, que veio de modo mais público mostrar sua raça, seu verniz de extrema beleza estética e que canta com o som. (Cenário: E programação visual do Cd(Fauna Brasiliensis, 2017. Regina Silveira.Criação: Estúdio Regina SilveiraAnimação: StudioIntro. )

"Eu vi o tempo brincando ao redor da voz latejando música. Por isso essa força estranha..."

Isso é que resumiria o disco e o show



*Disponível para  compra
Lojas do Sesc e em breve na Livraria Cultura

quinta-feira, maio 11, 2017


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sexta-feira, fevereiro 10, 2017

Entrevista | Leyla Perrone-Moisés A literatura em perigo by Revista Cândido

http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=1223

Em um primeiro momento, Mutações da literatura no século XXI pode soar como um muro de lamentações sobre a irrelevância da literatura no mundo atual. A começar por uma falta de consenso sobre o que é literatura — realçada logo na apresentação do livro —, a professora e crítica Leyla Perrone-Moisés traz à tona uma série de temas pessimistas sobre o momento e a recepção da escrita de ficção: o declínio do prestigio social e cultural da literatura, a perda de importância da matéria nos currículos escolares e universitários e a derrocada da crítica em tempos de internet, entre outros.

Mas a partir da segunda parte do livro, intitulada “A narrativa contemporânea”, Mutações mostra como a chama da literatura se mantém viva por meio da obra de diversos autores de nosso tempo, que não jogaram a toalha mesmo com todas as perspectivas desfavoráveis e as teorias conspiratórias (a do fim do romance tem sido a mais recorrente). Os ensaios trazem análises sobre grandes autores contemporâneos — de Ian McEwan a W.G. Sebald — e temas instigantes, como “Os escritores como personagens de ficção” e “A volta do romanção”.

Professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Leyla Perrone-Moisés é autora de outros livros de ensaios, como Inútil poesia e Altas literaturas, obras que mesmo escritas por uma acadêmica, passam longe de qualquer hermetismo. Nesta entrevista a autora comenta algumas das questões mais pertinentes de seu mais recente livro, como a influência da internet no cenário literário e subgêneros como a autoficção.


Entre as tantas indagações feitas ao longo de Mutações da literatura no século XXI, talvez a pergunta que possa resumir o livro é: “O homem do nosso tempo, com todas as implicações sociais e de comportamento que estão ocorrendo, ainda precisa da literatura?” Precisa?

Precisa, embora a maioria pense que não. Precisa, justamente para ter um comportamento menos dispersivo e mais reflexivo. Para saber quem é, para entender os outros homens e o que fazemos todos juntos no mundo. No século passado, Sartre escreveu: “O mundo pode passar muito bem sem a literatura. Mas pode passar ainda melhor sem o homem”. Essa advertência tornou-se ainda mais pertinente em nosso século.

No capítulo “A nova teoria do romance”, a senhora diz que o nouveau roman francês, apesar de curto, foi o último movimento a apresentar “propostas teóricas relevantes para a renovação do gênero”. A senhora acredita que depois das vanguardas, ainda há possibilidade de o romance se renovar esteticamente? Os escritores deveriam estar preocupados com isso?

De modo geral, verifica-se atualmente um retorno à forma tradicional que o romance assumiu no século XIX: contar histórias e criar personagens que representem a sociedade contemporânea. Ilustrado com descrições, diálogos e enriquecido com intervenções do narrador. Afinal, essa forma tradicional continua sendo muito poderosa. O cinema e as séries televisivas a têm adotado com grande êxito. Somente alguns poucos escritores, mundo afora, continuam preocupados com a renovação estética da ficção escrita. É o que chamei de “literatura exigente”, destinada a um público restrito. Mas ninguém deve dizer com o quê os escritores devem se preocupar. São eles que fazem a literatura, e felizmente vários deles continuam a honrá-la.

“A visão de conjunto de nosso país não se encontra em nenhum
romance brasileiro. Ela nos foi fornecida, via televisão,
pela Câmara e pelo Senado nas votações de 2016.”


Ainda em relação à renovação do romance, esse seria um dos fatores preponderantes à falta de relevância da literatura nos dias de hoje? Ou seja, acha que de alguma forma o gênero estaria “desgastado” para o leitor?


O que está não apenas desgastado, mas quase abandonado, é o hábito da leitura. Numa sociedade de consumidores, a oferta de informação e entretenimento é enorme, e passa por outros meios que não o livro. A falta de relevância da literatura nos dias de hoje é correlata à falta de reflexão, de crítica e de projeto que caracteriza a sociedade contemporânea. Falta reflexão até mesmo quando se alega a falta de tempo para ler. O que realmente falta é perguntar: aquilo com que ocupamos nosso tempo é realmente valioso? Torna-nos melhores, mais sábios e mais felizes? 

A senhora discorre sobre diversos autores contemporâneos, entre eles dois escritores que são como água e vinho: Enrique Vila-Matas e Michel Houellebecq. O primeiro, apesar da inegável qualidade literária do texto, prega para convertidos, escritores e críticos, com sua ficção voltada para a própria literatura. Já o segundo, parece muito mais preocupado em inserir a literatura no debate político e comportamental de seu tempo, sem abdicar da ficção — muitas vezes em histórias distópicas, como a senhora assinala. Em um momento de crise, não estaria faltando à literatura buscar esse diálogo, que tenta Houellebecq, com a sociedade/leitores?

Com certeza, e por isso Houellebecq é muito mais lido do que Vila-Matas. As obras do primeiro têm sido elogiadas por economistas e sociólogos, como perfeitas descrições da sociedade atual. O problema, a meu ver, é que Houellebecq não é apenas distópico, mas é acrítico. Ele descreve nossa realidade com um olhar indiferente que beira o cinismo. É um observador de grande talento, mas não me parece que ele busque um diálogo com a sociedade, como faziam e fazem outros escritores melhores do que ele: Saramago, Coetzee, Amos Oz, McEwan, para citar apenas alguns.

Sobre a autoficção, a senhora esclarece que esse tipo de texto remete a períodos e autores bastante antigos. Não é novidade, portanto. Mas esse método de narrar não teria sido “turbinado” pelo nosso momento atual, com a valorização da exposição do indivíduo, das redes sociais, etc? Mesmo autores como Karl Ove Knausgård, bastante elogiado pela senhora, não teriam angariado leitores sedentos pela vida (real) alheia?

É verdade que o individualismo e o narcisismo contemporâneos, alimentados pelas redes sociais, favoreceram a explosão de autoficções. Mas querer saber o que as pessoas comem e com quem transam é muito diferente do que querer saber como elas vivem seus problemas, como se sentem nos momentos de solidão, o que pensam. Há autoficções irrelevantes como selfies, e há outras que são valiosas para os leitores que buscam, na vida alheia, inspirações para suas próprias vidas.

O desaparecimento da crítica de livros (ou sua diminuição drástica) nos jornais e a abordagem cultural praticada na internet (com suas listas e textos pouco reflexivos) dão a impressão de que, em se tratando de cultura e literatura, estamos regredindo, ou emburrecendo. Qual a sua percepção?

O desaparecimento da crítica está diretamente ligado com a perda de importância dos livros de ficção e de poesia na mídia. A literatura, hoje, tem um lugar muito restrito naquilo que atualmente se chama de “cultura” e que é sinônimo de entretenimento. Não sei se é emburrecimento, mas é certamente a perda de um poderoso estímulo aos neurônios, tornados preguiçosos pelo uso exclusivo dos meios eletrônicos.

“O individualismo e o narcisismo contemporâneos,
alimentados pelas redes sociais,
favoreceram a explosão de autoficções.”


Diante do panorama atual da crítica, qual é o melhor caminho para um escritor jovem ser percebido?

É muito difícil, para um escritor jovem, ingressar no circuito da edição e da publicidade. Pelo contrário, é muito fácil para um jovem qualquer se tornar “escritor”. Se conseguir muitos seguidores na Web, pode logo publicar um livro ou vários. No ano passado, vi uma fila de centenas de pessoas à espera da abertura de uma livraria de shopping, para comprar o livro de uma garota que posta vídeos no YouTube. Uma fila de dar inveja a qualquer escritor literário. O escritor jovem que pratica uma escrita de qualidade tem de ser paciente. Deve enviar seu livro para editoras que tenham catálogos compatíveis com seu trabalho e não desanimar com as respostas. Se sua obra for realmente boa, mais cedo ou mais tarde acabará sendo descoberta.

Recentemente na França se veiculou uma campanha publicitária que mos trava a baixa remuneração dos escritores de literatura. Os autores posam com determinados produtos (como um cafezinho ou um par de óculos) e uma legenda informa quantos livros é preciso vender para adquirir os objetos. A crise da literatura é mundial, e não apenas em países pouco cultos como o Brasil?

A crise da literatura é mundial. A França, que durante séculos teve a cultura como sua maior riqueza, sofre a mesma desvalorização da literatura no ensino básico e no consumo. Há um programa de entretenimento na TV5 Monde que se chama “Questions pour um champion” e dá vultosos prêmios em dinheiro para quem responder o maior número de perguntas de cultura geral. O nível das perguntas é alto, e se fosse no Brasil não encontraria concorrentes (por isso nem existe). Como assisto a esse programa há anos, verifico que o tema “literatura” encontra cada vez menos pessoas informadas. Perde de longe para os temas “geografia”, “esporte”, “cinema” e “gastronomia”. Se um país como a França abandona progressivamente sua memória cultural, o que dizer do nosso, que nunca teve de fato essa memória?

Em determinado momento de Mutações, a senhora faz uma defesa do meio acadêmico em relação à critica que se faz ao ensino da literatura (tanto na universidade quanto na escola). A senhora escreve que não é possível estudar literatura sem passar pelos textos clássicos. Um ponto que costuma gerar divergência, com muitos profissionais defendendo o uso de autores mais contemporâneos em sala de aula. O ideal não seria um ponto de equilíbrio entre esses dois pensamentos?

Para estudar literatura, é necessário partir dos clássicos. O mesmo acontece no campo científico. Isaac Newton dizia: “Se vi mais longe foi por estar sobre ombros de gigantes”. Os professores de literatura podem e devem propor textos contemporâneos em suas aulas, pois sua temática é mais próxima da vivência dos alunos. Mas o bom professor, assim como o bom escritor contemporâneo, tem de conhecer os “gigantes” da história literária, porque estes não apenas criaram as bases da literatura moderna e contemporânea, mas são sempre atuais quanto às grandes questões humanas.


Uma de suas críticas diz respeito ao termo “pós-moderno”, que em relação à literatura agruparia características que sempre estiveram presentes na ficção, como a metaliguagem (Tristam Shandy), a paródia (Dom Quixote) e a intertextualidade (A divina comédia). A senhora demonstra como o autor contemporâneo se utiliza dessas heranças do passado e as diluiu no presente, utilizando para isso o termo “literatura tardia”. Poderia explicar esse conceito?

Não me lembro de ter usado esse termo. Usei, sim, o termo “modernidade tardia” para qualificar nossa época. O que caracteriza a literatura na modernidade tardia é que ela perdeu importância como instituição, como prática e como consumo. Atualmente, considera-se “literatura” qualquer escrito ficcional ou poético. E no enorme volume de publicações, muito pouco merece essa classificação. Justamente por ignorância dos “gigantes”, perdeu-se o pudor de publicar, e publica-se qualquer coisa. Portanto, poderíamos falar em “literatura tardia” para qualificar essa massa de escritos supostamente literários. Mas a boa literatura nunca é tardia, pelo contrário, ela é oportuna porque resiste ao contexto histórico e social adverso, apontando suas mazelas e mantendo a linguagem em bom estado, contra as simplificações, os clichês e os estereótipos.

Apesar do tom muitas vezes pessimista do livro (de fim de feira), a senhora escreve que “a literatura é um dos poucos exercícios de liberdade que nos restam”. Por quê?

Porque a literatura só pode ser praticada plenamente em sociedades democráticas. Mesmo em sociedades de períodos históricos totalitários e autoritários, os escritores sempre se sentiram livres para dizer o que tinham a dizer, sob pena de censura ou de prisão. Em nossa época, quando a maioria dos países se diz democrata, o escritor sofre a repressão não declarada de grandes poderes totalitários: o dinheiro, a mídia, a moda, o senso comum, a opinião corrente, as redes sociais, o moralismo etc. Mas em seu texto ele é livre para pensar, exprimir-se e imaginar.

Há também um capítulo sobre a volta do “romanção”, em que cita três autores americanos contemporâneos: Jonathan Franzen, David Foster Wallace e Garth Risk Hallberg. No Brasil, esse tipo de livro, que pretende apresentar um “painel” da sociedade, nunca pegou (apesar de algumas exceções). Saberia explicar o motivo?

O motivo é que não existe “a sociedade brasileira”. O Brasil é um território muito vasto e muito desigual em todos os seus aspectos, não cabe num “painel”. A nação norte-americana também é vasta e variada, mas ela tem uma liga social, registrada numa constituição imutável e numa imagem compartilhada do próprio país como livre, próspero e poderoso. Os romancistas norte-americanos que citei são, em graus diversos, críticos dessa auto -imagem, mas conseguem ver o conjunto e os principais problemas. Nos EUA há uma tradição do “grande romance americano”, de John dos Passos até os nossos dias. Diferentemente, ninguém em sã consciência ousaria escrever um romanção panorâmico do Brasil. O mais próximo disso que tivemos foi Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro, que mesmo assim é regional. A visão de conjunto de nosso país não se encontra em nenhum romance brasileiro. Ela nos foi fornecida, via televisão, pela Câmara e pelo Senado nas votações de 2016.

Para terminar, quais foram as leituras mais interessantes, de autores brasileiros, que a senhora fez no último ano?

Dos livros brasileiros que li em 2016, os que me pareceram mais interessantes foram: O tribunal de quintafeira, de Michel Laub; Histórias naturais, de Marcílio França Castro; A vista particular, de Ricardo Lísias; A tradutora, de Cristovão Tezza.

Roda Viva | José Saramago | 13/10/2003 para não esquecermos

um pensador, um alucinado,como todo grande escritor e que questiona o próprio instrumento que se vale para ser JOSÉ SARAMAGO.Um ensaista da ...