sábado, agosto 25, 2007

DRUMMOND







Affonso Romano Sant’Anna
"desparafusa" Drummond
FERNANDA NIDECKER

Intelectualmente, o poeta e escritor Affonso Romano de Sant’Anna se localiza dentro de uma tradição que começou com Mário de Andrade, Manuel Bandeira, passou por Carlos Drummond de Andrade e chegou a ele. Às vésperas do centenário de Drummond, que será comemorado no ano que vem, o escritor ressalta que quer levar esta tradição adiante através de suas crônicas e poesias.
Amante incondicional da obra do maior poeta do século XX, Santa‘Anna lê Drummond desde a adolescência e escreveu sua tese de doutoramento baseado em um arquivo de mais de 600 páginas cedido pelo próprio poeta. "Drummond, Gauche na vida", ganhou três prêmios internacionais, acaba de ser traduzido para o espanhol e será lançado pela Universidade de Salamanca, na Espanha. Em entrevista ao JB Online, Affonso Romano de Sant‘Anna fala com intimidade sobre as poesias de Drummond e propõe sensibilidade e ouvido poético para entender este poeta que ele considera ser uma mina.

Qual é a influência de Drummond em sua obra?


Comecei a ler Drummond ainda na adolescência. Aos 17 anos, peguei meus poemas e os levei até ele e Manuel Bandeira. Alguns anos depois, me debrucei profundamente sobre seus poemas para fazer minha tese de doutorado, intitulada "Drummond, Gauche no tempo". Ele, inclusive, me emprestou seus arquivos, que reunia cerca de 600 páginas. Logo depois que retornei do Estados Unidos, em 67, defendi a tese.

Dia depois, recebi um telegrama dele, que dizia: "você me desparafusou todo". Este foi o melhor elogio que poderia ter recebido. E eu sabia que ele havia gostado do trabalho, porque certa vez fui até uma livraria para saber se havia exemplares à venda e o livreiro me disse que Drummond tinha ido até lá e levado todos os volumes da obra.

O que você concluiu deste trabalho?


Fiz uma análise minuciosa e uma leitura sistemática dos poemas de Drummond, com levantamentos estatísticos das palavras que mais se repetiam e quantas vezes elas se repetiam. Eu percebi que a obra de Drummond não é um supermercado onde os críticos podem identificar com facilidade temas segmentados e bem definidos. A obra deste poeta possui uma estrutura e uma organização que exige interpretação global e estruturante.

Qual é o segredo para captar a obra de Drummond?


A partir dos estudos que fiz sobre sua obra, percebi que a chave mestra para entender suas poesias estava na primeira estrofe do primeiro poema de seu primeiro livro, que diz resumidamente: "Quando eu nasci um anjo torto, daqueles que vivem meio à sombra, me disse: vai Carlos, vai ser gauche na vida".

Nesta estrofe, podemos resumir de certa forma toda a obra do poeta, que descreve ao longo de sua trajetória, a maneira como o indivíduo gauche (à margem, errado, à esquerda) se posiciona diante do mundo. E como se não bastasse ele se considerar "gauche", Drummond ainda diz que foi um anjo torto que o concebeu, ou seja, o avesso do anjo iluminado.

Esses termos se repetem na obra do poeta?


Sim, de várias formas. Drummond nasceu em Itabira, no interior de Minas, uma cidade barroca, cheia de curvas. Ele fez questão de citá-la várias vezes em ÷sua obra. Além disso, em um outro livro, ele diz que gostaria de escrever um livro torto. Um outro fato interessante deste aspecto de sua obra está em um de seus livros, onde há uma foto em família, com uma legenda sugestiva, provavelmente feita pelo autor: "Carlos Drummond de Andrade, o primeiro à esquerda". Ou seja, ele se ironizava diante da posição que ocupava no mundo.

É possível categorizar a obra de Drummond?


Não categorizar, mas dividí-la em três atos, como se fosse um peça teatral. A primeira parte revela um Drummond, irônico, com poemas-piada, paródias. Ou seja, neste primeiro momento ele escreve com um olhar ainda provinciano diante da cidade grande, como se o Eu fosse maior que o mundo.

Na segunda fase, a poesia de Drummond se estrutura mais, aborda temas como política, Segunda Guerra, bomba atômica e a solidão do homem jogado na cidade grande. Neste momento, ele faz um busca angustiante pelo contato como o ser humano, solitário, abandonado em um cenário confuso e de guerras. Na terceira fase, classificada como metafísica, ele dá um salto ainda maior, falando da morte, do nada e da relação entre os dois.

A obra de Drummond é acessível ao público em geral?


Não. Há dois tipos de leitura: a superficial e a profunda. É importante ler "Confidência de Itabirano" ou "José", poemas da primeira fase, mais fáceis de serem compreendidos. Mas a obra que se segue depois disso é mais trabalhosa e exige mais sofisticação para ser melhor lida. Poeta popular é Vinicius que conta com o aparo da música. Apesar de Drummond estar na mídia, é preciso algo mais para compreendê-lo.

Que tipo de postura deve se ter para ler Drummond?


Depende do leitor. Se for poeta é uma coisa, se não tiver prática poética é outra, se for um técnico é outra coisa. A questão é aprender a ler poesia, e atualmente as poesias não lêem mais poemas. E isso é lamentável, pois a poesia já representou o código lingüístico pelo qual se comunicaram várias gerações.

Para ler Drummond, é preciso ter sensibilidade poética, ouvido poético e saber que se está diante de um poeta que tem de ser lido atentamente, como se fosse uma mina: para desvendá-la é preciso cavá-la, ir mais fundo.

O que é mais difícil de compreender na obra do poeta?


Sem dúvida é a terceira fase, a metafísica, onde o Drummond trata de questões muito mais complexas, como a morte, a aparência, o nada. Ele aborda neste momento, pontos com os quais o homem se defronta e que não podem ser resolvidos como a morte e o amor. Para Drummond, o amor é fundamental, nasce e morre, se sucede ao correr da vida. Já a morte é uma aporia diante da qual o homem não sabe o que fazer.

O que significa Aporia?


Esta palavra tem três significados: um inseto que cava terra no escuro, uma orquídea e um teorema insolúvel. Drummond escreveu o poema Áporo, não por acaso, e incluiu todos os três significados na poesia. Quanto ao teorema insolúvel, o poeta o relacionou à morte.

Você disse que Drummond acreditava que para se fazer poesia era preciso trabalho. Fale um pouco mais sobre isso.


A idéia que ele tinha, e da qual eu compartilho, é da poesia não como acidental, não como jogos de palavras, nem como capacidade de produzir metáforas bonitas. Ele encarava a poesia como uma visão de mundo, uma obra que se constróis aos poucos, onde cada poema se relaciona como o outro e cada livro propões perplexidades.

O poeta, na definição de Heidgher, é um indivíduo capaz de saber o sentimento da apólice de seu tempo, o que implica estar atento ao sentido da história, afinado à realidade coletiva.

Como será sua participação nas comemorações do centenário de Drummond?


Tenho participado de reuniões em Itabira, tento agilizar traduções da minha tese para outros idiomas, que até agora foi traduzida apenas em espanhol, pelo genro do poeta, e será lançada em breve pela Universidade de Salamanca.

Acho muito importante que a obra de Drummond seja traduzida em várias línguas, porque muitos poetas brasileiros e portugueses como Fernando Pessoa são conhecidos no exterior por causa das traduções, e quase ninguém conhece Drummond. Ainda, escrevi o prefácio do livro Rosa do Povo, que está sendo relançado e escrevi o posfácio de o Amor Natural, que é o livro erótico de Drummond. Dezenas de artigos, poemas também estão sendo preparados.

by http://jbonline.terra.com.br/destaques/bienal/entrevista-afonso.html








O mundo é grande


O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.


(Carlos Drummond de Andrade in “Amar se Aprende Amando”)

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