domingo, agosto 12, 2007

Hilda Hilst




Hilda Hilst





Lobos? São muitos.

Mas tu podes ainda

A palavra na língua

Aquietá-los.


Mortos? O mundo.

Mas podes acordá-lo

Sortilégio de vida

Na palavra escrita.


Lúcidos? São poucos.

Mas se farão milhares

Se à lucidez dos poucos

Te juntares.


Raros? Teus preclaros amigos.

E tu mesmo, raro.

Se nas coisas que digo

Acreditares.



Hilda Hilst



Enquanto faço o verso, tu decerto vives.

Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.

Dirás que sangue é o não teres teu ouro

E o poeta te diz: compra o teu tempo.


Contempla o teu viver que corre, escuta

O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.

Enquanto faço o verso, tu que não me lês

Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.

O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:

"Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas".

Irmão do meu momento: quando eu morrer

Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:

MORRE O AMOR DE UM POETA.

E isso é tanto, que o teu ouro não compra,

E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto

Não cabe no meu canto.


Hilda Hilst



Como se te perdesse, assim te quero.

Como se não te visse (favas douradas

Sob um amarelo) assim te apreendo brusco

Inamovível, e te respiro inteiro


Um arco-íris de ar em águas profundas.


Como se tudo o mais me permitisses,

A mim me fotografo nuns portões de ferro

Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima

No dissoluto de toda despedida.


Como se te perdesse nos trens, nas estações

Ou contornando um círculo de águas

Removente ave, assim te somo a mim:

De redes e de anseios inundada.

(II)


* * *


Descansa.

O Homem já se fez

O escuro cego raivoso animal

Que pretendias.

(Via Vazia - VIII)


(Hilda Hilst - Amavisse)





BIOGRAFIA

Isso de mim que anseia despedida
(Para perpetuar o que está sendo)
Não tem nome de amor. Nem é celeste
Ou terreno. Isso de mim é marulhoso
E tenro. Dançarino também. Isso de mim
É novo. Como quem come o que nada contém.
A impossível oquidão de um ovo.
Como se um tigre
Reversivo,
Veemente de seu avesso
Cantasse mansamente.

Não tem nome de amor. Nem se parece a mim.
Como pode ser isso?
Ser tenro, marulhoso
Dançarino e novo, ter nome de ninguém
E preferir ausência e desconforto
Para guardar no eterno o coração do outro.

Carlos Drummond de Andrade

Filha do fazendeiro e poeta Apolonio de Almeida Prado Hilst, Hilda nasceu na cidade de Jaú, em uma família rica do interior paulista. Seu pai morreu esquizofrênico aos 35 anos, o que fez com que Hilda optasse por não ter filhos, uma vez que um médico lhe teria dito que a doença atacava geração sim, geração não. As pessoas que conviveram com a poeta a descrevem como uma pessoa deslumbrante, generosa, dona de palavras ácidas, íntegra e culta. Na juventude, foi tida como uma das mulheres mais bonitas de sua geração. “Mistura da beleza de Ingrid Bergman e da sensualidade de Rita Hayworth”, descreve o editor Massao Ohno. A beleza e a personalidade forte tocaram também Carlos Drummond de Andrade, que dedicou um poema a ela (veja reprodução do poema acima). Hilda foi musa de artistas, poetas – Vinicius de Moraes chegou a se apaixonar por ela – e intelectuais. Foi amiga de Lygia Fagundes Telles – “até o fim da vida”, afirma Lygia – e, com seu comportamento avançado, sempre chocava a sociedade paulistana em meados da década de 50. Entre as muitas histórias que sua biografia revela, diverte aos amigos lembrar do namoro com o ator norte-americano Dean Martin (aquele mesmo, famoso parceiro do comediante Jerry Lewis) e a tentativa, frustrada, de seduzir Marlon Brando. “Em Hilda tudo era extremado”, lembra a professora Nelly Novaes Coelho, apresentada à escritora por Lygia Fagundes Telles. “A tudo que fazia, entregava-se de corpo inteiro. Não conseguia o meio-termo, virtude rara que, se por um lado deixou o mundo maior e mais belo do que quando nele chegou, por outro lhe causou contínuos dissabores e problemas. Pois a vida comum exige o meio-termo, o disfarce...”

Hilda Hilst morreu em (4/2/2004), de falência múltipla dos órgãos, depois de uma queda em que fraturou o fêmur. Os jornais trarão certamente a biografia e alguns poemas de Hilda; dirão da grandeza de seu texto desconcertante, de sua beleza enigmática quando jovem, de sua desistência de quase tudo em favor da literatura, de sua solidão, de sua dezena de cães, de sua bem-comportada loucura, etc.


VIDA

Nasceu em Jaú, São Paulo, aos 21 de Abril de 1930. Em 1948, entrou para a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (Largo São Francisco), formando-se em 1952. Em 1966, mudou-se para a Casa do Sol, uma chácara próxima a Campinas (SP), onde ainda reside. Ali dedica todo seu tempo à criação literária.

Poeta, dramaturga e ficcionista, Hilda Hilst escreve há quase cinqüenta anos, tendo sido agraciada com os mais importantes prêmios literários do país. Participa, desde 1982, do Programa do Artista Residente, da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.

Seu arquivo pessoal foi comprado pelo Centro de Documentação Alexandre Eulálio, Instituto de Estudos de linguagem, IEL, UNICAMP, em 1995, estando aberto a pesquisadores do mundo inteiro.

Alguns de seus textos foram traduzidos para o francês, inglês, italiano e alemão. Em março de 1997, seus textos Com os meus olhos de cão e A obscena senhora D foram publicados pela Ed. Gallimard, tradução de Maryvonne Lapouge, que também traduziu Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.



OBRA

Poesia

Presságio - SP: Revista dos Tribunais, 1950.
Balada de Alzira - SP: Edições Alarico, 1951.
Balada do festival - RJ: Jornal de Letras, 1955.
Roteiro do Silêncio - SP: Anhambi, 1959.
Trovas de muito amor para um amado senhor - SP: Anhambi, 1959. SP: Massao Ohno, 1961.
Ode Fragmentária - SP: Anhambi, 1961.
Sete cantos do poeta para o anjo - SP: Massao Ohno, 1962. (Prêmio PEN Clube de São Paulo)
Poesia (1959/1967) - SP: Editora Sal, 1967.
Júbilo, memória, noviciado da paixão - SP: Massao Ohno, 1974.
Poesia (1959/1979) - SP: Quíron/INL, 1980.
Da Morte. Odes mínimas - SP: Massao Ohno, Roswitha Kempf, 1980.
Da Morte. Odes mínimas - SP: Nankin/Montréal: Noroît, 1998. (Edição bilíngüe, francês-português.)
Cantares de perda e predileção - SP: Massao Ohno/Lídia Pires e Albuquerque Editores, 1980. ( Prêmio Jabuti/Câmara Brasileira do Livro. Prêmio Cassiano Ricardo/Clube de Poesia de São Paulo.)
Poemas malditos, gozosos e devotos - SP: Massao Ohno/Ismael Guarnelli Editores, 1984.
Sobre a tua grande face - SP: Massao Ohno, 1986.
Alcoólicas - SP: Maison de vins, 1990.
Amavisse - SP: Massao Ohno, 1989.
Bufólicas - SP: Massao Ohno, 1992.
Do Desejo - Campinas, Pontes, 1992.
Cantares do Sem Nome e de Partidas - SP: Massao Ohno, 1995.
Do Amor - SP: Massao Ohno, 1999.


Prosa

Fluxo - Floema - SP: Perspectiva, 1970.
Qadós - SP: Edart, 1973.
Ficções - SP: Quíron, 1977. (Prêmio APCA/ Associação Paulista dos Críticos de Arte. Melhor livro do ano.)
Tu não te moves de ti - SP: Cultura, 1980.
A obscena senhora D - SP: Massao Ohno, 1982.
Com meus olhos de cão e outras novelas - SP: Brasiliense, 1986.
O Caderno Rosa de Lory Lambi - SP: Massao Ohno, 1990.
Contos D'Escárnio/Textos Grotescos - SP: Siciliano, 1990.
Cartas de um sedutor - SP: Paulicéia, 1991.
Rútilo Nada - Campinas: Pontes, 1993. (Prêmio Jabuti/Câmara Brasileira do Livro.)
Estar Sendo Ter Sido - SP: Nankin, 1997.
Cascos e Carícias - crônicas reunidas (1992-1995) - SP: Nankin, 1998.


Teatro (inédito)

A Possessa - 1967.
O rato no muro - 1967.
O visitante - 1968.
Auto da Barca de Camiri - 1968.
O novo sistema - 1968.
Aves da Noite - 1968.
O verdugo - 1969 (Prêmio Anchieta)
A morte de patriarca - 1969.


Prêmios


Foram sete prêmios literários, no total. Em 1962, o Prêmio PEN Clube de São Paulo, por Sete Cantos do Poeta para o Anjo (Massao Ohno Editor, 1962). Em 1969, a peça O Verdugo arrebata o prêmio Anchieta, um dos mais importantes do país na época. A Associação Paulista dos Críticos de Arte (Prêmio APCA) considera Ficções (Edições Quíron, 1977) o melhor livro do ano. Em 1981, Hilda Hilst recebe o Grande Prêmio da Crítica para o Conjunto da Obra, pela mesma APCA. Em 1984, a Câmara Brasileira do Livro concede o Prêmio Jabuti a Cantares de Perda e Predileção (Massao Ohno - M. Lydia Pires e Albuquerque editores, 1983), e, no ano seguinte, a mesma obra recebe o Prêmio Cassiano Ricardo (Clube de Poesia de São Paulo). E, finalmente, Rútilo Nada, publicado em 1993, pela editora Pontes, leva o Prêmio Jabuti como melhor conto.




seleção de Fabio Rocha e Lucimara Hayoama





Para saber mais:

Site Oficial de Hilda Hist




http://fabiorocha.com.br/hildahilst.htm
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