http://apaginadolivro.blogspot.com/2009/04/alex-polari.html
por Antonio Miranda
(João Pessoa - PB, 1951). Teve publicado seu primeiro livro de poesia, Inventário de Cicatrizes, em 1978. Na época, estava preso; por sua militância política contra o regime militar brasileiro, permaneceu na prisão entre 1971 e 1980. Seu segundo livro, Camarim de Prisioneiro, saiu em 1980. No início dos anos de 1980 passou a fazer parte da comunidade esotérica Santo Daime, no Amazonas. Na poesia de Alex Polari, de tendência contemporânea, se manifestam de maneira forte e direta experiências de cárcere, de tortura. Para o crítico Carlos Henrique de Escobar, ?Alex político e Alex poeta, como alguns dos seus muitos companheiros em diferentes prisões do país, alguns já libertados, outros exilados, poderão significar toda uma postura e uma produção artística (na poesia, na pintura e no romance) que rompe com os padrões estéreis e reacionários de até então."
Fonte: www.itaucultural.org.br/
"A poesia de Alex não se formaliza de fora, não se organiza à margem de suas motivações e propósitos - ela é inseparável do que diz, na forma pela qual se expressa e que é formidavelmente diversa tanto do espírito autoritário e escolar do experimentalismo de direita quanto do populismo altissonante mas insípido dos ´nossos´ poetas editados e reeditados pela máquina editorial e publicitária do reformismo. Fluente em sua forma, imediata em sua captação, lúcida e transparente, a poesia de Alex chega-nos desde os cárceres políticos da Ditadura, das suas salas de tortura, numa linguagem direta, franca e rigorosamente cuidada. É possível hoje retomar a história da nossa poesia, de 22 para cá, e mostrar como suas formas e impasses são dominantemente inseparáveis das formas mesmas que a história política do país vai tomando. Nesse sentido Alex político e Alex poeta, como alguns dos seus muitos companheiros em diferentes prisões do país, alguns já libertados, outros exilados, poderão significar toda uma postura e uma produção artística (na poesia, na pintura e no romance) que rompe com os padrões estéreis e reacionários de até então."
Carlos Henrique de Escobar (1978)
“Comprei o Inventário de Cicatrizes na época de seu lançamento para colaborar com o Comitê Brasileiro pela Anistia. Eu havia regressado da Inglaterra sem concluir o meu doutorado (a Capes não me concedeu a bolsa que complementaria a que eu tivera com o British Council, mesmo havendo recebido um prêmio pela dissertação de mestrado...)
porque havia contra mim um dossiê acusando-me de ter escrito poemas anti-militares durante meu auto-exílio na Venezuela anos antes, no início da Ditadura Militar. Estava com um romance no prelo – A Quadratura do Ó – que tinha umas cenas sobre tortura no regime militar... Vi com extrema simpatia a publicação do livro de Alex Polari de Alverga, um preso político, mesmo sem ter qualquer informação sobre sua poesia. Houve uma identificação automática com ele.
A leitura da obra foi pura emoção. Independentemente do mérito literário. A confissão de um poeta prisioneiro do regime, relatando torturas e privações, numa linguagem absolutamente sem rebuscamento, sem apelações ideologizantes, até com certo escárnio e humor, era pungente. Estava além da literatura. Assim entendi o prefácio de Carlos Henrique de Escobar que, com certo viés, fazia tabula rasa de toda a poesia brasileira da época – desde modernismo, passando pela Geração 45 e vanguardismos concretizantes de meados do século – e exaltando a obra do poeta no cárcere. Estava ele condenado, depois de torturas humilhantes, a 80 anos de pena. Como não ficar emocionado com aqueles versos crus, irônicos, alguns tão bem construídos como os do poema “Foices”?
Reencontro o livro em minha biblioteca da Chácara Irecê e a releitura teve um impacto sem o peso da consciência – o autor já estava em liberdade há cinco lustros -, mais maduro do que nos idos de 70 e com o distanciamento brechtiano necessário para o julgamento da obra. A emoção continuou forte, em parte por ferir os nervos da memória... mas também pela singeleza mordaz dos versos, pelo descarnamento da linguagem, pela tom confessional com certa perquirição e até mesmo um senso crítico que, sendo o poeta jovem e vivenciando sua própria tortura levada à poesia, que resulta surpreendente. Do ponto de vista formal, percebe-se uma certa desigualdade, coisa comum na maioria dos livros de poetas em geral... Um confessionismo às vezes ingênuo, algumas reflexões incipientes mas sempre num conjunto impressionante pelo despojamento de linguagem, por um coloquialismo que dá frescura e autenticidade aos textos, aliviando-os da pieguice e do fanatismo. Cresce na leitura uma figura humana extraordinária, avançada, arejada. Admirável. É com este espírito e admiração que seleciono os poemas que considero exponenciais no conjunto de sua obra inicial. Infelizmente, não tive (ainda) acesso ao seu livro mais recente para aquilatar o crescimento do autor e para entender seu posterior envolvimento com o Santo Daime.
Antonio Miranda, fevereiro 2007
FOICES
E fosse o vento
como rajada
fio de foice
rente ao horizonte
cortando espigas e auroras.
E fosse fosco
o vidro que nos separasse
da paisagem
assim semeador
vulto impreciso pelas grades
colher o que?
que fímbria de esperança
que migalhas de posteridade
disputar com os ratos?
ZOOLÓGICO HUMANO
o que somos
é algo distante
do que fomos
ou pensamos ser.
Veja o mundo:
ele se move
sem nossa interferência
veja a vida:
ela prossegue
sem nossa licença
veja sua amiga:
ela se comove
por outros corpos
que não o seu.
Somos simplesmente
o que é mais fácil ser:
lembrança
sentimento fóssil
referência ética
apenas um belo ornamento
para a consciência dos outros.
A quem interessar possa:
Estamos abertos à visitação pública
sábados e domingos
das 8 às 17 horas.
Favor não jogar amendoim.
Extraídos de INVENTÁRIO DE CICATRIZES. 3 ed. São Paulo: Teatro Ruth Escobar; Comitê Brasileiro pela Anistia, 1978. 58 p.
quarta-feira, janeiro 06, 2010
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