terça-feira, janeiro 19, 2010

"Extinguir a Fundação Eugénio de Andrade será a pior prenda para o poeta"


by Diário de Notícias PT

por FRANCISCO MANGASHoje
http://www.fundacaoeugenioandrade.pt/

Se fosse vivo, o poeta Eugénio de Andrade faria hoje 87 anos. E teria como prenda uma má notícia: a fundação do poeta, na Foz do Douro, pode ser extinta. Ana Maria Moura, que o acompanhou nos últimos 30 anos, revela alguns dos pequenos prazeres do autor de 'As Mãos e os Frutos'

Se Eugénio de Andrade fosse vivo, teria como prenda de anos uma notícia desagradável: a fundação do poeta corre o risco de fechar.
É a pior prenda que o Eugénio poderia receber. Ele não está cá, estão as pessoas que gostam dele. Espe-ro que o bom senso prevaleça e se-ja preservado este lugar em memória do Eugénio e da poesia.
A direcção da Fundação Eugénio de Andrade solicitou ao Governo a extinção da instituição. Sabia?
O prof. Arnaldo Saraiva [presi-dente da fundação] não falava comigo sobre esses assuntos. Sei que foram cortados subsídios do Governo e da Câmara Munici- pal do Porto. Desde Novembro, os funcionários da instituição - eu e mais duas outras pessoas - estão no Fundo de Desemprego.
Como conheceu o poeta?
Foi há mais de 30 anos. O meu marido, em criança, acompanhava a mãe na limpeza do atelier do mestre José Rodrigues, nas Fontainhas, que o Eugénio frequentava. Aí tornaram-se amigos. Quando está-vamos próximos de casar, Eugé-nio quis conhecer-me. Nasceu o meu filho, o Miguel, e a amizade reforçou-se. Éramos uma família não biológica, mas uma família.
Eugénio ajudou o Miguel?
Muito. Na educação, em tudo. Quando surgiu a fundação, viemos para aqui viver. Ele só aceitou habitar na fundação se a família também viesse. Quando o Miguel vinha da escola, ficava na casa do Eugé-nio: arranjava-lhe o lanche e ajudava-o a fazer os deveres.
Eugénio fazia hoje 87 anos. Comemorava os aniversários?
Quando era novo, comemorava com entusiasmo. Com passar dos anos, ficava deprimido nesse dia: a ideia da morte deixava-o em pânico. Mas a casa enchia-se de flores, telegramas, o telefone sempre a tocar - era uma coisa fantástica.
Era pessoa de trato difícil?
Era dócil. Mas todos nós temos dias bons e dias maus. Se insistiam em assuntos que não queria falar, ele ficava um pouco mais ríspido. Vinha muita gente aqui trazer sacas de livros para ele autografar.
Reagia mal?
Dizia assim: "Essa gente pensa que eu tenho aqui um carimbo como o Torga para pôr nos livros!"
Quando escrevia: podia estar alguém por perto?
Tinha a música dele, e não queria de facto que o rodeassem. Levan-tava-se cedo, às 07.30 já estava a pé. Tratava da gata, punha-lhe a comida, depois preparava o pequeno- -almoço.
E à noite?
Dormia mal. Ficava sempre com um caderninho à beira dele e muitos lápis. Se lhe surgisse alguma ideia, apontava. Trabalhava as coisas até à exaustão.
Falava da mãe?
Falou várias vezes da mãe, figura importante na sua vida. Mulher muito bonita, dizia. Chegou-me a dizer que eu tinha um feitio parecido com o da mãe.
E do pai?
Quando falava do pai, falava dele com muita dureza.
Lia poemas?
Lia os poemas ao Miguel. O Miguel chegava da escola ou da faculdade e sentava-se aqui a falar. O Eugénio lia-lhe o trabalho que tinha feito. Aquela Nuvem e Outras são as histórias que ele contava quando o meu filho era criança.
Gostava de ouvir os seus poemas?
Gostava de ouvir o Miguel a dizer os poemas. Sempre que chegava um livro novo, ficava entusiasmado - até se esquecia do jantar.
Tinha algum prato favorito?
Batatas fritas com um ovo estrelado, porque lhe lembrava a infância. Quando acordava de madrugada, se tivesse melão no frigorífico, levantava-se para o ir comer. Era fácil de alimentar. Sopa, tinha de comer sempre.
Como viveu os derradeiros dias no hospital o homem que tinha pavor da morte?
Ele não queria que eu me viesse embora. Gritava: "Não vás, fica comigo. Não quero ficar sozinho." Ele tinha medo do hospital.

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