domingo, agosto 23, 2009

"A poesia brasileira está em baixa"

Bruno Tolentino




Poesia brasileira hoje
Érico Nogueira
De São Paulo

É comum ouvir dizer "A poesia brasileira está em baixa", "A poesia, no Brasil, atingiu o seu auge no início dos anos cinqüenta", e outras declarações semelhantes. Com efeito, a década de quarenta assistira à publicação de nada mais nada menos que "O sentimento do mundo" (1940), "José" (1942), "A rosa do povo" (1945) e "Novos poemas" (1948), de Carlos Drummond de Andrade; "Mar absoluto" (1945) e "Retrato natural" (1949), de Cecília Meireles; "Anunciação e encontro de Mira-Céli" (1943), "Poemas negros" (1947) e "Livro de sonetos" (1949), de Jorge de Lima; "As metamorfoses" (1944), "Mundo enigma" (1945) e "Poesia liberdade" (1947), de Murilo Mendes; "Pedra do sono" (1942), "O engenheiro" (1945) e "Psicologia da composição" (1947), de João Cabral de Melo Neto; além de duas edições das "Poesias completas" (1940 e 1948) de Manuel Bandeira. É natural, portanto, diante de uma evidência como esta, concluir que a última década do século vinte, e a primeira do vinte e um, não passa de um período de decadência, no Brasil, em matéria de poesia.

Uma consideração mais atenta, porém, das publicações das últimas duas ou três décadas pode, se não contradizer, ao menos fazer repensar os parâmetros desta conclusão, cujo caráter automático e quase intocável parece flertar com o dos clichês e lugares-comuns.

Dada a variedade e o grande número de poetas, bons e ruins, hoje em atividade no Brasil, escolhi apenas alguns, e mesmo deles só os livros de que gostei. Qualquer omissão, portanto, ou 'injustiça', é resultado direto da minha escolha: o que não impede esta escolha, claro está, de haver reformulado o problema de um ponto de vista que, por um motivo ou por outro, encontre a benevolência de algum leitor.

Nelson Ascher publicou três livros cuja nota é a maestria formal: "Sonho da razão" (1993), "Algo de sol" (1996) e "Parte alguma" (2005) - além do excelente volume de traduções "Poesia alheia" (1998). Neles, o prosaísmo do quotidiano se mescla com leituras eruditas, que vão dos clássicos latinos à poesia alemã e húngara, resultando numa síntese muito pessoal e altamente sofisticada, que nada fica a dever ao rigor formal de João Cabral de Melo Neto, por exemplo, para citar o aspecto mais notório da poesia do pernambucano. Ascher faz uma poesia aguda e às vezes ácida, na linha epigramática de um Catulo, ou um Marcial. É, numa palavra, um poeta excelente, que muito acrescente à nossa tradição.

Affonso Romano de Sant'Anna publicou dois livros irmãos, que me parecem os melhores da sua lavra poética até agora: "Textamentos" (1999) e "Vestígios" (2005). Na esteira da melhor tradição brasileira, - na de Bandeira, sobretudo - esses livros são uma resposta afirmativa à pergunta "É possível transformar a experiência individual em poesia?". Permanece neles certo tom de "denúncia", digamos, que caracteriza os outros livros do autor, mas esta componente vem agora fundida com um domínio verdadeiramente impecável do vers libre, e com a clave algo mais reflexiva que marca sua última produção.

Alexei Bueno é um péssimo editor. Sua edição da "Poesia completa" de Jorge de Lima, por exemplo, imprime o sexto soneto do "Livro de sonetos" com treze versos, reproduzindo a falha da edição da José Aguilar de 1974. Ainda assim - e a despeito das indesculpáveis banalidades do seu "Uma história da poesia brasileira" -, é preciso reconhecer que "Lucernário" (1993) e "A árvore seca" (2006) são ótimos livros, especialmente este último. Nele, o autor parece ter renunciado à idealização do poeta e da poesia - característica marcante de sua produção anterior - e aceitado as vicissitudes da condição mortal. Seu domínio das formas fixas é invejável, e o livro tem vários momentos de grande poesia.

Em pouco mais de dez anos, Bruno Tolentino publicou "As horas de Katharina" (1994), "Os deuses de hoje" (1995), "Os sapos de ontem" (1995), "A balada do cárcere" (1996), "O mundo como Idéia" (2002) e "A imitação do amanhecer" (2006). É o poeta mais prolífico da recente poesia brasileira, e um dos melhores. Dono de vasta erudição e um soberbo domínio formal, cada livro seu é um verdadeiro tour de force, e quase todos foram premiados. Ele inaugura um novo 'gênero' - o drama da razão - em nossa poesia, de cuja história foi, talvez, o poeta mais ambicioso.

Enfim, caberia citar ainda Gerardo Mello Mourão e o seu opus magnum "Invenção do mar" (1998); Alberto da Cunha Melo e os seus "Yacala" (1999) e "Meditação sob os lajedos" (2002); Carlos Felipe Moisés e o excelente "Noite nula" (2008); "O outro lado" (2007), de Ivan Junqueira, entre outros.


Érico Nogueira é poeta, editor (Dicta & Contradicta) e professor de línguas e literaturas clássicas (IICS). Ganhou o "Prêmio Governo de MG de Literatura" de 2008 com O livro de Scardanelli. Escreve também no Ars Poetica, blogue de poesia. Vive e trabalha em São Paulo.

Fale com Érico Nogueira: nogueira.erico@terra.com.br
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3842569-EI13894,00.html

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