domingo, novembro 15, 2009

Pedro Américo de Farias


OBS AMIGO DE LONGAS DATA REENCONTRO AQUI E NUMA FOTO DO ESTADO DE SÃO PAULO DE HOJE 5.11.2009
RETIRADO DE http://www.interpoetica.com/entrevista_pedro.htm VISITEM

Visitantes da Interpoética. Entregamos a vocês a lição de poesia do poeta Pedro Américo de Farias. Pernambucano de Ouricuri, Sertão do Araripe, que concedeu esta entrevista a sua companheira e jornalista Maria Alice Amorim, diretamente da cidade de São Paulo, onde se recolheram para estudar literatura. (os editores)

ENTRE A INVENÇÃO E A DILUIÇÃO

Pedro Américo de Farias, quando ainda nem sabia o que era literatura, intuía que a poesia pairava nos ares poeirentos do Ouricuri, sertão pernambucano da Chapada do Araripe. Da zona rural mudou-se aos 9 anos para uma área rurbana; da cidade árida ao Crato, na adolescência; do Ceará, enfim, aporta no Recife disposto a viver a juventude e se preparar para a universidade. Não foi um percurso linear, retilíneo. Mas, suficiente à descoberta de que a poesia se espraiava em todos os ares, porque vinha de dentro. E vieram de dentro primeiramente os experimentalismos, a poesia concreta, a escrita automática do surrealismo, a fragmentação dadaísta. Daí não foi difícil desvendar a poesia de formas fixas das oralidades poéticas do Nordeste. E não estacou, continuam os experimentos na poesia de loa, no verso livre, na poesia que é som é verbo é imagem. Sobretudo, nada de poesia estritamente gabinete, poesia tem que ser imersão na vida, no beber e se divertir com os outros, como tão bem sorveram os participantes (Raul Pompéia, entre eles) do Clube Rabelais, sob o slogan buvant et rigolant avec les autres.

O que é poesia?

Poesia é o que a gente encontra de melhor nas palavras para dizer qualquer coisa sobre a vida. Mas, não só nas palavras.

Explique melhor.

É porque a poesia não é uma coisa que se possa expressar apenas no universo da fala ou da escrita. Também nas outras formas de expressão.

Que expressões?

Expressão cênica, ou nas artes visuais, ou na música.

E a fanopéia, logopéia e melopéia, como é que entram nas - ou saem das - palavras?

Vamos devagar com o andor da poesia, a musa pode ser de barro. Minha poesia tem muito de melopéia e de logopéia, o que mais se manifesta na minha construção poética são esses dois aspectos. Minha poesia é muito musical e um exercício de filosofia.

Segundo a conceituação de Ezra Pound, você se considera poeta inventor, mestre ou diluidor?

Estou mais entre a invenção e a diluição. Porque diluição não é um conceito negativo. Diluição não é necessariamente destruir ou enfraquecer, mas, de certo modo, popularizar a expressão poética. Ser mestre é um grau muito avançado.

Na invenção, como é que você se sai, ou entra?

Inventar, na poesia, não é uma coisa tão grave, um princípio tão absolutamente ligado à idéia de um estágio inalcançável. A gente inventa com relativa facilidade, pelo menos no meu conceito de invenção.

E como é que essa invenção se manifesta na sua poesia?

Penso sempre que a poesia de invenção, ao contrário do que pode parecer a muitas pessoas, não está necessariamente vinculado à existência das chamadas vanguardas estéticas. Acho que a invenção é uma possibilidade ao alcance de todas as tendências e em todas as épocas. De forma que não seria uma novidade do século XIX, nem do século XX, muito menos do século XXI. A poesia, aliás a arte em geral, sempre esteve sob o signo da invenção. O conceito é muito amplo.

Concretamente falando, como descrever ou detectar essa invenção no seu processo criativo?

Tanto penso na minha poesia quanto ao princípio da invenção, quando construo um poema como Soma sumo, que tem uma vinculação direta com a chamada poesia concreta, sob o aspecto verbivocovisual, como vejo invenção quando construo um poema com base na chamada poesia popular, como é o caso de Mãe de Pantanha, em que a forma verbal e rítmica é toda montada na tradição, mas, sob vários aspectos, eu busco a reinvenção. Busco a reinvenção quando interpreto, por exemplo. Quando fujo dos padrões regionais, regionalizantes. Quando nego a cor local e universalizo os conceitos, os princípios filosóficos.

Interpretar significa o quê?

A recitação do poema. Aí eu assumo uma liberdade bastante grande na expressão cênica, na vocalização. É aí que busco atingir um grau de construção artística que se aproxima muito da paródia e que foge muito da mimesis. Está entre a paráfrase e a paródia, fugindo o máximo possível da mímese.

Seria isto, também, o fugir dos padrões regionalizantes de que você falou acima?

Não que o padrão regionalizante não possa ter essas características, não possa também conter esses elementos essenciais à construção poética, que são a paráfrase, a paródia etc. Quando eu digo fugir dos padrões regionalizantes, eu me refiro mais a sentimentos nativistas, patrióticos, exaltação de uma natureza, de uma natureza regional, local, superior à dos outros locais. E também a um caráter nostálgico, que é comum, que se faz presente com muita freqüência no regionalismo.

Como a poesia entrou na sua história pessoal?

Eu é que entrei na vida da poesia. Há uma certa simbiose, antes de a gente perceber o que é mesmo que ela significa, há um certo comportamento chegado para o desviante, como se já fosse um comportamento de natureza poética na vida da gente. A gente pode não perceber, seria a primeira hipótese. Ou perceber e sufocar, seria a segunda hipótese. E a terceira hipótese seria perceber e desenvolver.

Você percebeu.

Eu percebi. Eu acho que percebi e assumi essa rebeldia, vamos dizer assim. A criação poética tem um lado rebelde, que acho fundamental, e que você não se rebela apenas contra a ordem vigente dos princípios éticos, mas a dos princípios estéticos também. E aí é que entra o trabalho propriamente dito da criação poética. É que a palavra escrita ou simplesmente oral passa a agregar outros valores. E estão muito além dos valores estabelecidos para uso da língua que a convivência e as conveniências exigem.

Que tipo de poesia o fisgou?

Eu não sou peixe, para me tratares assim...

Que linguagens poéticas o atraíram, então?

Isso é muito abstrato. A própria poesia já abrange genericamente o conceito de linguagem. Então eu vejo que cabe melhor para mim pensar em termos de formas poéticas e dicções. Alguém já disse e eu não sei com que palavras: há muitas formas de se fazer poesia e eu prefiro todas. Em todas as formas pode-se aplicar o princípio da invenção, ou da reinvenção - que talvez seja uma idéia melhor. Você não tem muito campo na arte em que possa dizer que aquilo ainda não foi descoberto. Você pode é trabalhar com tecnologias talvez não utilizadas ainda.

Fale sobre o seu processo de criação.

Primeiro, a gente tem as inquietações. Tanto inquietações filosóficas, quanto inquietações estéticas. Daí a gente tanto fica imaginando idéias, como imaginando frases. E na maioria dos casos, esses dois elementos - o estético e o filosófico - estão totalmente vinculados. Na questão da escrita - falo escrita porque, para mim, a poesia sempre vem como escrita, embora quando eu estou escrevendo estou sempre fazendo a leitura das frases em voz alta, porque estou sempre buscando os elementos orais dessa escrita, há um certo automatismo na primeira manifestação do texto. Depois, aquele texto passa por um processo de limpeza, reelaboração. Às vezes termina na cesta do lixo, às vezes vai alimentar um outro mais adiante, se diluir dentro de um outro. E muitos textos, especialmente os textos mais trabalhados sob a influência da oralidade, se enriquecem mais ainda com o recital. Um texto que muitas vezes pareceu apenas dotado de uma carga sintática e semântica, vai ser enriquecido por uma interpretação oral.

Por falar em oralidade, e por ser tão cantante a sua poesia, como é que você encara o diálogo entre música e poesia na produção contemporânea (e em outras épocas...). Letra de música é ou não é poesia?

Esse é um tema muito amplo, porque implica refletir até sobre a história e sobre a origem da poesia, e, também, comparativamente, estudar a relação entre a poesia e outras artes. Em outras palavras, se a poesia dialoga até com as artes plásticas e as cênicas, por que imaginar que letra de música, que é palavra cantada, não contém poesia? A questão que se coloca, fundamentalmente, é quanto ao objeto que se constrói, ou seja, o poema. Ou melhor, a letra de música pode ser um poema? A letra de música se se realiza como um poema, se é um objeto trabalhado, sob a perspectiva da arte poética, que exige a presença da polissemia, e uma construção sintática, ou uma desconstrução sintática interessante, inventiva, eu, então, posso dizer que aquilo é um poema. Uma letra de música pode ter boas frases musicais e não ser um poema. Nesse sentido, você tem tantos compositores musicais que são bons poetas e nem sempre estão fazendo poemas, mas certamente entre as letras de músicas feitas por eles há bons poemas. Agora, esta é uma discussão interminável. Envolve conceitos do que seja poesia e do que seja música. Os primeiros poemas da humanidade certamente eram canções.

Literatura é mais gabinete ou buvant et rigolant avec les autres?

Literatura é muita coisa. É muito trabalho, e tem muito gabinete mesmo. Mas, o buvant et rigolant são inseparáveis. Tudo o que diz respeito à vida, ao viver livre e ao gozar a vida só faz bem à literatura. Embora o escritor também possa alimentar-se de tudo o que é ruim, o sofrimento, a miséria. Se você fala de matéria-prima para a literatura, tudo vale. Quando a gente trata da liberdade de criação, do ambiente para a criação, óbvio que o curtir a vida, o buvant et rigolant são muito estimulantes.

Quais as leituras que "movem" o escritor?

Primeiro começo pelo fato de que leio mais ensaio e ficção do que mesmo a poesia. Mais história geral e menos história literária. Isso já é um bom princípio. E em todo esse universo de leitura eu não busco apenas a informação, eu busco a poesia, a expressão poética.

Autores?

A questão de autor enquanto influência pra mim não funciona. Por quê? Porque minha frase poética tem muito do cotidiano. O que mais procuro é tirar efeito literário da fala cotidiana. Sem descuidar de toda a carga filosófica que essa fala implica. É claro que tudo o que a gente lê pode contar como grande contribuição para o pensamento estético e para a elaboração. Mas, nunca como adoção de modelo. Em todo o caso, há os autores que a gente lê e gosta muito. Poderia citar poetas como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Cesar Vallejo, Octavio Paz, Walt Whitman, Haroldo de Campos, Nicanor Parra. E os ficcionistas Machado de Assis, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Aquilino Ribeiro, Jack London.

Falando agora de poetas vivos, quem é quem na poesia brasileira contemporânea, sob sua ótica?

Affonso Ávila, em Minas Gerais, pela carga de pesquisa formal e por ter uma base temática muito interessante. É uma poesia de vanguarda que se faz a partir de uma tradição histórica de Minas, que, no meu entender, tem tudo a ver com as pesquisas dele sobre o Barroco. Poderia citar duas obras de Afonso: Código de Minas e Código Nacional de Trânsito. É uma coisa que retoma muito a herança oswaldiana da poesia Pau Brasil e de um outro mineiro, Murilo Mendes, com História do Brasil. O princípio da paródia está claramente implícito nesses livros. Manoel de Barros, Tom Zé são poetas que também me interessam muito, nessa linha de uma poesia de invenção, do conceito moderno da vanguarda.

E no Recife, convivendo diariamente com poetas de dicções e movimentos diversos, desde início dos anos 70, o que e quem destacaria?

Não levaria em consideração nada relacionado com grupo, geração ou qualquer conceito organizacional desse tipo. Há uma produção muito rica que acompanho e que se manifesta na poesia de um César Leal, Alberto da Cunha Melo, Almir Castro Barros, Esman Dias, Débora Brennand, Everardo Norões, Maria de Lourdes Hortas, Lenilde Freitas, Domingos Alexandre, Mário Hélio, Marco Polo, Majela Colares, Wilson Araújo de Sousa. Enfim, é sempre precário citar quem a gente gosta, porque muita gente fica de fora, inclusive aqueles que têm produção muito boa.

Fale de sua experiência com o movimento da poesia marginal no Recife?

Diria que é muito mais um movimento sociocultural do que um movimento especificamente literário. Há pessoas com diferentes formações intelectuais, mas que se identificam em função de determinada contingência social. Aí a gente encontra bons poetas. Eu citaria alguns exemplos: Chico Espinhara, Cida Pedrosa, Lara.

A partir dessa sua vivência no Recife, que outras geografias poéticas do Nordeste você destacaria?

A partir do Recife, trabalhando no setor editorial, é que passei a conviver com a poesia que se produz, por exemplo, na paraíba, no Ceará, no Rio Grande do Norte, em Alagoas. Mas, para não me estender muito, destacaria a poesia dos paraibanos Sérgio de Castro Pinto e Lúcio Lins. Tem também os "exilados", aqueles nordestinos que vivem no Rio, em São Paulo, que têm uma poesia muito boa, que se destaca pela qualidade literária. É o caso de Micheliny Verunschky, que vive em São Paulo, e de Braulio Tavares, um paraibano no Rio.

Se você decidisse fazer um passeio pelas poéticas mundo afora, em quais estações/paisagens você gostaria de mergulhar?

Eu mergulharia no dicionário das várias línguas. "Lá estão os poemas que esperam ser escritos", como diria Drummond. Mas, eu acrescentaria que, antes e além dos dicionários, estão as expressões vivas das línguas que se manifestam nos seus milhões de falantes. O desafio do poeta é construir a sua poética viajando no mapa-mundi das muitas línguas e linguagens.

Poesia é sonho?

Poesia é sonho e é pesadelo. Poesia é como a vida, sonho e realidade.

(novembro de 2005)

Fotos de Delmo Montenegro e Maria Alice Amorim

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