domingo, outubro 18, 2009

Alphonsus de Guimaraens

fotos redefinidas P Vasconcelos



LITERATURA EM FOCO
REVISTA LITERÁRIA ON-LINE
Três poemas de Alphonsus de Guimaraens

O Brasil ao longo de sua história literária contou com vários poetas de destaque que fizeram parte dos diversos estilos de época que estiveram em voga no país. Dentre os mais marcantes, sem dúvidas, podemos citar o nome de Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), poeta de Minas Gerais, que ficou conhecido por sua poesia simbolista, onde o tema do amor e da morte estão intrinsecamente ligados
A crítica do século XIX não deu valor nenhum a obra do escritor. Os críticos do século posterior demoraram para reconhecer a importância do movimento Simbolista, e em consequência disso o prestígio do poeta mineiro. Provavelmente a falta de reconhecimento do autor de Kiriale, se deve ao fato de que com o Parnasianismo sendo adotado como forma oficial de expressão literária da jovem república, os autores simbolistas acabaram, por sua vez, sendo deixados de lado. Ademais, os críticos diziam que Cruz e Souza — outro grande nome do simbolismo brasileiro — e Alphonsus de Guimaraens eram apenas um pastiche de Baudelaire e Verlaine, respectivamente. Porém, a partir de 1935, graças a organização das obras do poeta mineiro que foi realizada por Manuel Bandeira e João Alphonsus, os críticos lançaram olhares mais justos acerca dos poemas do simbolista das Minas Gerais, dando-lhe dessa maneira o devido reconhecimento.
Pode-se dizer que os temas da poesia de Alphonsus de Guimaraens estejam intimamente ligados a um fato marcante em sua vida: o falecimento de sua noiva Constança, que se deu em decorrência da tuberculose. Todavia, outros aspectos tais como a natureza, a arte e a crença religiosa também possuem relevância nos versos do mineiro. Muitos caem no erro de taxar a poesia desse poeta simbolista de monótona, devido ao tema mórbido que é constantemente abordado em sua obra; como bem como ressalta Aflredo Bosi em História Concisa da literatura brasileira, “[...] não devemos cair na tentação de chamá-lo de poeta monótomo, a não ser que se dê à monotonia o valor positivo que ela assume em poetas maiores, um Petrarca ou um Leopardi, que souberam aprofundar até às raízes o seu motivo inspirador, permanecendo-lhe sempre fiéis.”.
Selecionamos três poemas do simbolista, todos fazem parte da primeira obra de Alphonsus, intitulada de Kiriale. Nessa estão reunidos poemas que foram escritos nos períodos de 1891 a 1895.

SETE DAMAS
Sete Damas por mim passaram.
E todas sete me beijaram.
E quer eu queira quer não queira.
Elas vêm cada sexta-feira.
Sei que plantaram sete ciprestes.
Nas remotas solidões agrestes.
Deixaram-me como um mendigo…
Se elas vão acabar comigo!
Todas, rezando os Ste Salmos.
No chão cavaram sete palmos.
À MEIA-NOITE
A Aug. de Viana do Castelo
Cheguei à meia-noite em ponto.
O caso deu-se como eu conto.
Cheio de lúgubre mistério…
Pois ela disse: “Ao cemitério
Vamos à meia-noite em ponto.”
E eu respondi-lhe: “Conto, conto
Contigo à meia-noite em ponto.”
Como eu sabia, ela outro amante
Tivera em tempo não distante.
Era já morto: eu uma esposa
Tinha também sob uma lousa.
E ela sabia desse amante.
Jaziam um do outro distante
O amante dela e a minha amante.
Bem não chegamos, os ciprestes
Agitaram as verdes vestes
Como arrojando-se de bruços…
Que ais de tristeza e que soluços
Gemeram tão verdes ciprestes.
Gemia o vento pelas vestes.
Verdes dos vírides ciprestes.
Paramos de repente à porta:
Eu era um morta, ela uma morta.
Tal foi a cena branca e nua
Que nós, clareados pela lua,
Olhamos bem ao pé da porta.
Eu era um morto, ela uma morta,
Sem movimento junto à porta.
Diante de nós, em frente, diante,
O amante dela e minha amante,
Espectros vis num mesmo quadro,
Vinham vagar, hirtos, pelo adro,
Diante de nós, em frente, diante…
O amante dela e a minha amante.
Riram, passando para diante.

OCASO
(Impressões de véspera de finados)
Perdido como estou nesta grande charneca,
Cheio de sede, cheio de fome,
Disse-se Deus: “Sê bom!” E o Diabo diz-me: “Peca!”
E os anjos e demônios repetem o meu nome.
O cemitério está, nas glórias deste ocaso,
Cheio de leitos como um hospital.
Eu sonho que estou morto e sonho que me caso…
Vou vestido de noivo e coberto de cal.
Eis o que vejo além nas glórias deste ocaso:
Mulheres velhas e mulheres novas,
Homens e crianças vão levando flores.
Não há coroas para tantas covas,
E nem pranto para tantas dores.
Se este padre vai para o meu enterro,
Deixai-o caminhar bem devagar.
O cemitério está no alto daquele cerro…
Que ele não possa, ó Deus, nunca mais lá chegar!
Se este carpinteiro que me segue,
Apronta as tábuas do meu caixão,
Fazei, Senhor me Deus, como que ele cegue
Antes de aprontar meu caixão. http://bit.ly/3pvN5K


Se estes senhores de tão negras calças
E de sobrecasacas tão modernas,
Querem pegar, tristíssimos, nas alças
(Pois se olham de tal modo quando eu passo),
Fazei, Senhor Meu Deus, como que suas pernas
Não possam dar mais passo.
(Alguém agita sudários no poente.)
Se este coveiro agora mesmo
Cavava minha cova inexistente,
Cantando e soluçando,
Fazei, Senhor meu Deus, com que ele agora mesmo
Caia na cova que está cavando.
Se a costureira que ali trabalha,
Em vez de camisa de noivado,
Vem oferecer-me esta mortalha,
Que ela não tenha, ó Deus, no leito em que repousa,
Nem a camisa branca do noivado,
Nem um noivo que a queira por esposa.
Se estes sinos vão dobrar por mim,
Se este é o momento do meu enterro,
Fiquem os sinos a esperar por mim…
Que eu nunca alcance, ó Deus, o alto daquele cerro!
Originally posted 2009-05-21 05:28:36. Republished by Old Post Promoter

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