quinta-feira, outubro 15, 2009

JOÃO CABRAL DE MELO NETO – PELO ENCANTAMENTO DO POETA


Profa. Poetisa e Pesquisadora colaboradora do Blog MEL DA PALAVRA Selma Vasconcelos
João Cabral

Selma Vasconcelos

O estudo do “ fenômeno” João Cabral de Melo Neto não poderia esgotar-se na análise lingüística de sua poesia , que , inegavelmente, tem sido a preocupação recorrente dos estudiosos das letras, particularmente no meio acadêmico, pelas razoes facilmente dedutíveis.
A fenomenologia do homem-poeta revela o ser de inteligência aguda, racional, percepção sutil, sensorial , e que à maneira de Josué de Castro, colocava-se “ como um ser interessado no espetáculo do mundo”. Este seria, reconheçamos , o ponto de partida para a minuciosa observação daqueles escritores sobre o palco da vida .
No entanto, a preocupação partia do ator principal, ou seja, o homem frente à realidade percebida,às circunstancias determinantes e ao “ back-stage” das relações sociais , estruturas econômicas e políticas que dirigem o espetáculo. Esta atitude fez-lhe merecer , ao modo de Graciliano Ramos, na prosa, a identidade de humanista e sociólogo de nossa poesia .
João Cabral dizia-se um poeta crítico em relação á linguagem :” eu faço a poesia que o crítico João Cabral gostaria de escrever”.Contudo, a crítica da linguagem era um das múltiplas características inerentes ao poeta. Foi muito mais além. Preocupava-lhe o homem , sua circunstância e seu drama existencial.
Por ter espírito crítico e auto-crítico , olhava o fazer poético em uma dimensão aprofundada ,procurando trazer para o poema a essência do fazer artístico.
O grande poeta e dramaturgo alemão ,Goethe, declarou :“ a suprema e única operação de arte consiste na forma”; João Cabral fez da forma a sua obsessão.
As dificuldades a que se impôs, obviamente, foram exigências do espírito de multiartista . Foi alimentar-se na linguagem de arquitetos, pintores , músicos, dançarinos,toureiros , freqüentadores da taverna , e até religiosos , no sentido de somar com eles a inquietação diante de nossa pequenez e finitude .
Buscou pela linguagem a forma mais real do real, de modo que o próprio poema confunde-se com seu objeto e precisa explicar-se repetida e continuamente .
São alguns dos pressupostos para uma leitura do nosso poeta-pintor, desarmada dos preconceitos arcaizantes e estagnados que se contrapõem , ad initio , ao novo.
João Cabral ainda causa espanto entre os leitores de poesia Mas isso é um dos atributos da grande arte: a impertinência, o estranhamento, a provocação, a chamada à reflexão, o prazer do encantamento, o prescindir do entendimento cobrado no discurso , na prosa , e até na ficção.
O conflito do poeta entre a busca da “ arte pela arte “ dos primeiros tempos e a preocupação social da qual não conseguia eximir-se, explodiu em O Cão sem plumas, Composto em Barcelona (1950) edição do autor ( Livro Inconsútil.), sob o choque da notícia de que a esperança de vida dos pernambucanos( 28 anos) era menor do que a dos indianos( 29) na época..Neste poema ele faz uma analogia entre o” passo bovino” do rio e a indiferença das elites açucareiras pernambucanas :“ algo da estagnação / das árvores obesas/pingando os mil açucares/ das salas de jantar pernambucanas/ por onde se veio arrastando.
È a atitude do pernambucano que muda diante do mundo e faz mudar sua poesia , debruçando-a para a crua realidade social do Recife.Sobre o poema em questão , e seu conflito por uma linguagem de comunicação mais acessível , dizia o autor, em carta a Manuel Bandeira ( 1949): “ ando com muita preguiça e lentidão trabalhando num poema sobre o nosso Capibaribe. A coisa é lenta porque estou tentando cortar com ela muitas amarras com minha pesada literatura torre-de-marfim”.
A partir daí, mantém-se fiel aos seus princípios de construção da linguagem , mas procura trazer ao poema , coisas , gestos, paisagens , paixões , cidades, mulheres , temas universais tratados diferencialmente pelas mãos do grande artista.
O mundo reverencia João Cabral. Pernambuco deveria fazê-lo com muito mais zelo, pois seu canto ainda ecoa sobre o nosso rio, nossos canaviais, nossos cassacos , nossos retirantes , nossos cemitérios gerais e, sobretudo, nossa indiferença com o outro, ainda como homens - caranguejos, afundados nos poços de lama construídos com o “ sangue de pouca tinta” de nossos trabalhadores e daqueles que estão á margem da “sociedade”.

Faz dez anos que o poeta nos deixou fisicamente.Aqui fica a nossa reverencia à sua indestrutível memória . E aos cabalistas, uma questão: João Cabral de Melo Neto nasceu em Recife, no dia 9 de janeiro de 1920 e faleceu em 9 de Outubro de 1999, na cidade do Rio de Janeiro.



Selma Vasconcelos –

Selma Vasconcelos. Poetisa e Pesquisadora colaboradora do Blog MEL DA PALAVRA Professora UPE, com várias obras publicadas- na poesia, crônicas resenhas em Jornais Nacionais Artigos e poemas publicados Nacional e Internacionamente

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